Artigo de Maurício Locks, jornalista.

Santa Catarina foi forjada por sucessivas ondas de migração e continua a receber pessoas de outras regiões do país e do exterior. Segundo o IBGE, apenas 59,9% da população de Florianópolis é catarinense de nascimento no recorte entre 2017 e 2022. Ou seja, 39,1% dos moradores da capital vieram de outros estados ou países. Nesse mesmo período, o estado registrou o maior saldo migratório do Brasil, com mais de 500 mil pessoas chegando e cerca de 149 mil saindo. Esses números mostram que a migração é parte essencial da formação catarinense: ela sustenta a economia, renova o mercado de trabalho e molda a diversidade cultural que caracteriza o estado.
A migração eleitoral também é uma realidade consolidada na política brasileira. Há décadas, políticos de diferentes correntes e regiões transferem domicílio em busca de novas bases e oportunidades. José Sarney, nascido no Maranhão, mudou-se eleitoralmente para o Amapá e foi eleito senador por lá, tornando-se um dos principais símbolos dessa estratégia. Rosângela Moro, nascida no Paraná, elegeu-se deputada federal por São Paulo após transferir seu domicílio, em movimento semelhante. Essas experiências mostram que mudar de estado para disputar uma eleição é uma escolha estratégica e legítima, amparada pela legislação e praticada por lideranças de distintos campos ideológicos.
Essa coerência também se aplica a Carlos Bolsonaro, que está em processo de transferência de seu domicílio eleitoral para Santa Catarina, movimento feito com mais de um ano de antecedência em relação às eleições. Ele estabeleceu residência no estado e tem se integrado à rotina local. Não há ilegalidade nem imoralidade nisso. Ao contrário: há sintonia. Santa Catarina é hoje um dos estados mais conservadores do país, onde a família Bolsonaro tem forte identificação com grande parte da população. É natural que o catarinense veja em Carlos Bolsonaro alguém que representa suas bandeiras, como segurança pública, valores tradicionais, combate à esquerda e defesa de pautas liberais na economia. Num ambiente de polarização intensa, muitos catarinenses enxergam nos Bolsonaro a possibilidade de consolidar um projeto político conservador e impedir o avanço de adversários ideológicos.
Outros nomes nacionais seguiram caminhos parecidos: Jair Bolsonaro nasceu em Glicério (SP) e construiu sua trajetória política no Rio de Janeiro; Luiz Inácio Lula da Silva nasceu em Caetés, distrito de Garanhuns (PE), e consolidou sua vida política em São Paulo; Tarcísio de Freitas nasceu no Rio de Janeiro e foi eleito governador por São Paulo. A mobilidade política é parte da democracia, não uma distorção dela.
A própria história catarinense reforça essa lógica. Luiz Henrique da Silveira, um dos maiores políticos da história do estado, nasceu em Blumenau, mas ficou conhecido por sua trajetória como prefeito de Joinville. Ângela Amin, nascida em Indaial, foi prefeita duas vezes de Florianópolis. Dário Berger, nascido em Bom Retiro, foi prefeito duas vezes de Florianópolis e duas vezes de São José. Em nenhum desses casos, a origem fora do município foi usada para questionar legitimidade. O atual discurso contrário à migração política de Carlos Bolsonaro, portanto, nasce de preconceito e incoerência, não de princípios democráticos, especialmente quando parte de grupos que sabem que Santa Catarina é, historicamente, terreno favorável ao conservadorismo.
Outro ponto que reforça a legitimidade de sua decisão é a escolha do local onde pretende viver. São José é uma das cidades economicamente mais sólidas de Santa Catarina, com base produtiva, industrial e comercial expressiva. Ao optar por residir ali, Carlos Bolsonaro escolheu uma cidade trabalhadora e estratégica, e não um balneário de luxo ou destino turístico. Essa decisão o aproxima da realidade cotidiana da região metropolitana, formada por quem trabalha e produz.
Argumentar que alguém não pode disputar uma eleição por ter nascido em outro estado é um critério seletivo e oportunista, sem base legal ou coerência histórica. Não gostar de um candidato é legítimo. Mas é preciso assumir que o motivo é pessoal ou político, e não criar justificativas travestidas de moralidade.
Santa Catarina nasceu do encontro de povos e da força de quem veio de fora. É um estado que acolhe, trabalha e se posiciona. Se o catarinense vê em Carlos Bolsonaro a representação de suas bandeiras e de seu projeto conservador, negar sua participação política é, além de incoerente, um gesto que desconsidera a própria identidade catarinense. Se Santa Catarina foi construída por imigrantes, por que Carlos Bolsonaro não poderia ser mais um deles?






