Santa Catarina na berlinda: o leite derrama, os preços afundam e o agro se mobiliza

O Brasil derrama leite e Santa Catarina amarga o fundo do copo. Enquanto o consumidor vê o litro mais caro nas prateleiras, o produtor rural está pagando para trabalhar. E reagindo!

O protesto desta terça-feira, 28, em Ponte Serrada (SC) escancarou o desespero: faixas, tratores e uma mensagem direta – “o produtor não aguenta mais”. O setor exige reação do poder público. Não discursos, mas ações.

E ação é o que promete a agenda institucional e legislativa das próximas semanas. Estão marcadas duas audiências públicas exclusivas sobre o leite: a primeira, em Brasília, dia 4 de novembro, na Câmara dos Deputados, por requerimento do deputado Valdir Cobalchini (MDB/SC). A segunda será dia 12 de novembro, na Assembleia Legislativa de SC (Alesc), iniciativa do deputado Altair Silva. A coluna Política & Agro vai acompanhar de perto.

Enquanto isso, os números não param de cair. O Conseleite-SC apontou o litro base em R$ 2,14, o pior valor do ano. No Rio Grande do Sul, a queda foi de 4,26% na última quinzena.

Cadeia Produtiva reage

E a cadeia produtiva reage: a Faesc e Conseleite reuniram lideranças do setor e apresentaram dois documentos com demandas urgentes — um ao governo estadual, outro ao federal.

O encontro aconteceu na última sexta-feira (24), na sede da Epagri, em Chapecó (SC).

O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc), José Zeferino Pedrozo, ressaltou que toda a cadeia do leite está novamente sob pressão e os produtores têm compartilhado suas angústias.

“A produção catarinense cresceu. Nossos produtores investem e trabalham para atingir sempre os melhores resultados, tanto na qualidade quanto na quantidade. Precisamos reconhecer e valorizar essa dedicação. Contudo, um dos problemas é que o consumo não acompanhou esse ritmo e, para piorar, há a entrada de leite importado dos países vizinhos do Mercosul, muitas vezes com preços inferiores aos custos nacionais. Trata-se de uma concorrência desleal. É essencial que a CNA continue auditando esses dados e que o governo brasileiro não interrompa esse trabalho”.

O que pedem os produtores?

Ao governo federal, solicitam:

  • Retomada dos estoques reguladores;
  • Compra governamental via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA);
  • Controle de importações predatórias e fiscalização da qualidade do leite estrangeiro;
  • Linha de crédito específica para manter os produtores vivos.

Ao governo estadual, pedem:

  • Isenção tributária para pequenos produtores;
  • Programa emergencial de compra institucional;
  • Incentivos ao cooperativismo e assistência técnica;
  • Campanhas de valorização do leite catarinense.

Leite na Pauta: 4 projetos em tramitação

  1. PL 768/2025 – Deputado Estadual Altair Silva (PP/SC): proíbe a reconstituição do leite em pó, hoje usada para baratear o produto importado;
  2. PL 4309/2023 e PL 1557/2024 – Deputada Federal Daniela Reinehr (PL/SC): exigem transparência total na rotulagem do leite importado e reconstituído; e o PLP 54/2025, que trata da imunidade tributária para insumos agropecuários, o que afeta diretamente o custo de produção do leite.

Enquanto isso, do outro lado da fronteira…

O Senado dos EUA aprovou na noite de terça-feira, 28, uma resolução contra o tarifaço de Trump – mas sem efeitos práticos. Foi um recado político ao próprio presidente americano.

“Todo americano que acorda de manhã para tomar uma xícara de café está pagando um preço pelas tarifas imprudentes, ridículas e quase infantis de Donald Trump”, disse o líder democrata no Senado, Chuck Schumer, de Nova York.

Nos bastidores, a diplomacia brasileira se movimenta. A próxima rodada de negociações comerciais está prevista para depois do encontro com Xi Jinping, na China. Técnicos do Itamaraty admitem: barreiras tarifárias são um problema, mas as não tarifárias (como rastreabilidade e exigências sanitárias) podem ser ainda piores.

Campo Futuro: inteligência e alerta para 2025

No evento Benchmark Agro, promovido ontem, 29, pela CNA e Cepea, em Brasília, o presidente João Martins foi direto: “não basta produzir, é preciso garantir margem.” A projeção para a safra 2025 é de 15% a menos na margem da soja, com impactos no milho e na pecuária. A entidade defende uso intensivo de indicadores técnicos, gestão e previsibilidade como chave de sobrevivência no novo agro.

Cooperalfa: 58 anos de futuro

Na contramão da crise, a Cooperalfa, maior cooperativa agroindustrial de Santa Catarina, celebrou ontem, 29, 58 anos, com R$ 10 bilhões projetados para 2025.

Ao longo dessas quase seis décadas, a Cooperalfa consolidou-se como uma das maiores cooperativas agroindustriais do Brasil, com presença em 282 municípios e atuação nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul.

Hoje, são mais de 23 mil famílias cooperadas, sendo que 55,64% delas estão enquadradas no perfil da agricultura familiar – um dado que reforça a relevância da base produtiva que sustenta o modelo cooperativo.

Destaque para os programas de sucessão rural: Alfa Jovem, Alfa Mulher e Alfa Casal. Um modelo resiliente que orgulha o estado — e inspira o país.

Carne brasileira prestes a conquistar o Japão

Acordo em fase final deve encerrar 25 anos de bloqueio à carne bovina brasileira no Japão. Com o reconhecimento do Brasil como país livre de febre aftosa sem vacinação, os embarques podem começar ainda este ano. A expectativa é que a região Sul, com sua tradição e sanidade, esteja entre as primeiras exportadoras.

Entre o leite derramado e o Japão aberto

Enquanto o leite some das prateleiras e os produtores de Santa Catarina fecham estradas, o agro brasileiro abre novas fronteiras no mercado internacional. O Japão, que levou 25 anos para nos ouvir, dá sinais de confiança. Já o produtor catarinense, que produz o alimento de todo dia, continua esperando resposta. Não do Japão, mas de Brasília e de Florianópolis.

Se a produção resiste, é porque o campo é persistente. Mas paciência tem prazo de validade. E o da bacia leiteira do Sul está prestes a vencer.

Os colunistas são responsáveis pelo conteúdo de suas publicações e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Upiara.