Segurança Pública não é palanque e já passou da hora de admitirmos isso. Por Ada de Luca

Artigo de Ada de Luca, ex-deputada estadual e ex-secretária estadual de Justiça e Cidadania

É curioso observar como, em toda eleição, a segurança pública vira manchete, vira bandeira, vira promessa. Parece que, de quatro em quatro anos, descobrimos que o país tem problemas graves na área, como se a violência tirasse férias e voltasse à cena só quando convém ao discurso político. A verdade é dura, mas simples: segurança pública não é slogan. Não é bandeira de campanha. E não deveria ser palco para candidatos que apareçam apenas na época do voto com soluções mágicas e diagnósticos rasos. 

Eu vivi esse tema por dentro. Durante oito anos à frente da Secretaria de Justiça e Cidadania de Santa Catarina, conheci cada engrenagem do sistema, cada vulnerabilidade, cada avanço construído com muito esforço. E talvez por isso me incomode tanto ver um debate tão sério ser tratado, muitas vezes, como espetáculo.Porque segurança pública não se improvisa. Ela exige continuidade, técnica e coragem para enfrentar problemas que não cabem em discursos de trinta segundos. 

Santa Catarina é uma demonstração clara de que resultado se constrói no longo prazo. O estado, nos últimos anos, apresentou algumas das menores taxas de mortes violentas do Brasil. No primeiro semestre de 2025, chegou a 2,8 por 100 mil habitantes, o menor número em mais de uma década. De 2017 a 2022, reduziu homicídios em mais de 40%. Isso não nasce de promessas emocionadas, mas de políticas alinhadas, integração entre forças e investimento consistente. É o que acontece quando a segurança pública é tratada com seriedade e não como bandeira partidária. 

Ao mesmo tempo, também enfrentamos problemas estruturais profundos. O sistema prisional catarinense, por exemplo, convive com superlotação severa, um desafio que só aumenta quando o debate público se resume a “mais cadeia” ou “menos cadeia”, como se a questão fosse tão simplista. Ainda assim, construímos em Santa Catarina um modelo de trabalho prisional que virou referência nacional: mais de 30% dos presos trabalhando, recursos sendo reaplicados no próprio sistema, oportunidades reais de reintegração e um ciclo mais inteligente de justiça. Isso não é populismo, é gestão, é política de continuidade de um trabalho iniciado lá atras. 

E é isso que me leva ao ponto central: segurança pública precisa urgentemente deixar de ser pauta de governo, de conteúdo para redes sociais e se tornar política de Estado. Enquanto cada agente político quiser reinventar tudo a cada mandato, o país seguirá enxugando gelo. Enquanto o debate for guiado pelo calendário eleitoral, vamos continuar vendo candidatos que, de um lado, prometem “tolerância zero” como se fosse receita pronta, e de outro, minimizam problemas reais como se isso resolvesse algo. Nenhum desses extremos funciona. O que funciona é continuidade, integração e responsabilização. 

Também precisamos de mais honestidade intelectual no debate. Segurança pública envolve polícia, mas não se resume a ela. Envolve justiça, sistema prisional, prevenção, assistência social, saúde mental, educação, reintegração, saneamento basico, articulação e integração entre estados e União. Envolve, em outras palavras, o conjunto do Estado. Quem diz que vai resolver tudo sozinho, com uma única canetada, está mais interessado em aplausos do que em soluções. 

E, aqui, falo com toda franqueza: quem já esteve dentro de uma secretaria, quem já brigou por orçamento, quem já lidou com crises reais, sabe o peso do tema. Sabe que não existe irresponsabilidade maior do que usar o medo das pessoas como instrumento eleitoral. 

O Brasil merece um debate maduro sobre segurança pública. Um debate que envolva especialistas, instituições, sociedade civil e não apenas candidatos em busca de palanque. Merece planejamento de longo prazo, pactos firmados acima de interesses partidários e políticas que sobrevivam às eleições. 

A população quer viver sem medo. Quer resultado, e não teatro. E, para isso, precisamos assumir de vez que segurança pública não é palco, não é rótulo, não é arma eleitoral. É compromisso. É Estado. E é responsabilidade de todos nós. 

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