Não se falou em outra coisa nos meios profissionais do vinho, na última semana, além da apreensão de mais de 450 garrafas, pela Receita Federal, em um dos restaurantes mais luxuosos de São Paulo, às vésperas de um jantar harmonizado que custaria mais de R$15 mil por pessoa. Motivo: as garrafas não tinham qualquer registro de entrada no Brasil, segundo a Receita, o que indicaria irregularidades na importação.
Enquanto a operação do órgão Federal segue em curso e muitos se deliciam com a “polêmica na high society”, é inevitável encarar – mais uma vez – a maior e mais cruel questão do mercado de vinhos atual: será que normalizamos o consumo de vinhos do descaminho?
Qualquer apreciador de vinhos hoje sabe que o fenômeno da “chegada misteriosa” de garrafas importadas no Brasil não é exclusividade do mercado de luxo. Ao contrário: quem não conhece alguém que costuma encher a adega tendo o descaminho como principal fonte de abastecimento?
E pior: a maior parte desses consumidores parece não ter nenhum desconforto em exibir os vinhos comprados nessa fonte, assim como não têm problemas em compartilhar o “contatinho do whats” responsável pela venda.
Na sociedade das aparências, o rótulo famoso ou os “pontos Robert Park” importam mais do que a procedência e a legalidade do produto.
O fato é que o descaminho é crime, previsto no Código Penal brasileiro, que afeta diretamente os empreendedores que trabalham de forma legal e digna. Pergunte para qualquer empresário do ramo dos vinhos no Brasil “qual é seu principal concorrente?” e certamente você ouvirá a mesma resposta: o descaminho.
Os vinhos legais têm um indicador bem visível para o qual os consumidores conscientes devem estar atentos: o contrarrótulo necessariamente escrito em português (às vezes na forma de um adesivo sobreposto ao contrarrótulo original) com todas as informações sobre o distribuidor e o importador, inclusive endereço e número de registro no MAPA – Ministério da Agricultura e Pecuária. Portanto, observe suas garrafas de vinhos importados em casa, em restaurantes e até em supermercados. Se o contrarrótulo está todo em língua estrangeira e não traz estas informações, desconfie.
Já os vinhos do descaminho são marcados pelo selo invisível da criminalidade e da insegurança alimentar. Imagine as condições de transporte e armazenamento desses produtos que passam pela fronteira escondidos e tire suas conclusões sobre a qualidade dessas bebidas.
Em recente entrevista ao site Brasil de Vinhos, o chefe do Setor de Enfrentamento aos Crimes Transfronteiriços do Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF), Marco Antônio Palhano, destacou que o descaminho de vinhos deixou de ser um crime praticado por pessoas isoladas, com cargas pequenas e que agora tratam-se de “organizações criminosas e de um problema muito mais complexo do que apenas a evasão fiscal”.
Cabe a cada consumidor avaliar se vale a pena ter, na taça, o gosto amargo do descaminho.