Tarcísio admitiu que errou. Ainda bem — pra ele

Fred Perillo diz que governador de São Paulo errou ao brincar em meio à crise do metanol e analisa pedido de desculpas público

“Errei.” A primeira palavra proferida por Tarcísio de Freitas em seu vídeo-desculpa foi curta, direta e, acima de tudo, poderosa. Foi assim que o governador de São Paulo iniciou sua retratação pública após a repercussão negativa de uma fala infeliz sobre a crise das bebidas adulteradas com metanol.

Vamos ao fato: dias antes do vídeo, durante uma coletiva em que propagandeava suas ações, Tarcísio tentou “aliviar o clima tenso” com uma brincadeira. Ele soltou a seguinte pérola: “No dia em que começarem a falsificar Coca-Cola, eu vou me preocupar. Ainda bem que não chegaram nesse ponto.”

Obviamente, uma piada fora do tom, feita em meio a uma tragédia que naquele momento já somava mortes e dezenas de internações.

O deboche imediatamente caiu nas redes e a analogia mais óbvia foi com “não sou coveiro”, frase proferida pelo seu criador, Jair Bolsonaro, à época da pandemia. Em tempos digitais, em que cada vacilo é pinçado, editado e amplificado, a reação foi imediata. Um corte de dez segundos transformou o governador, reconhecido por seu perfil técnico e pragmático, em um político insensível.

Mas o meu verdadeiro objeto de análise não é o fato em si, mas o que veio depois. Tarcísio fez o que boa parte dos políticos ainda considera um tabu: pediu desculpas publicamente.

O vídeo publicado em suas redes começa com a frase citada acima, o “errei”, dito de forma clara e sem rodeios. Em seguida, ele explicou, em um roteiro bem construído, o contexto da fala, reconheceu a inadequação da brincadeira e pediu perdão às famílias das vítimas, aos comerciantes e à população. Foi uma confissão de erro e, ao mesmo tempo, uma reafirmação de propósito: “Nosso compromisso é com as pessoas. Sei que o arrependimento não apaga o passado, mas ensina.”

Do ponto de vista comunicacional, a resposta de Tarcísio foi muito eficiente. E a sua performance corporal e vocal, a que assisti várias vezes, foi bem equilibrada. Teve olhar fixo pra câmera, entonação controlada e microexpressões coerentes com o texto.

Eu destaco ainda o tom sereno, sem vitimismo e terceirização de culpas. Isso, no ambiente político polarizado em que vivemos, já é um avanço.

No entanto, para não dizer que foi perfeito, o roteiro sofre de um vício comum entre políticos, especialmente os de formação técnica: o excesso de formalismo. Termos como “proposições legislativas” e “aperfeiçoamento da logística reversa” aniquilam o impacto emocional de uma fala que deveria ser mais humana e menos burocrática. Tarcísio deveria abandonar o “tecnocrata” e deixar o “ser humano” falar. Ele poderia ter dito, por exemplo: “Vamos fazer leis mais duras pra que isso nunca mais aconteça.”

Mas outro fato, esse mais grave, me chamou a atenção no episódio. Em pleno 2025, muitos consultores políticos continuam questionando se um gestor deve ou não se desculpar por uma fala infeliz. Foi o que vi, não sem muita surpresa, em grupos dos quais faço parte com alguns colegas de atividade.

Essa discussão revela mais sobre a nossa cultura política do que sobre a estratégia de comunicação. Há quem ainda associe o pedido de desculpas à fraqueza, quando, na verdade, trata-se de um ato de autoridade moral. O verdadeiro líder não é aquele que nunca erra, e sim quem reconhece o erro com rapidez, empatia e propósito.

Em qualquer manual básico de gestão de crise, pedir desculpas está entre as primeiras recomendações. É o gesto que interrompe a espiral da indignação e devolve humanidade ao interlocutor. E tem marqueteiro que não aceita isso.

É claro que o pedido de desculpas, para funcionar, precisa ter alguns ingredientes essenciais, como o reconhecimento da culpa, a empatia com o outro e o compromisso de reparação. Tarcísio cumpriu bem os dois primeiros, mas ainda deve, pelo menos parcialmente, o terceiro. Faltou ele traduzir, em linguagem simples, o que será feito para evitar que episódios como esse se repitam no estado que governa.

Há, nesse caso, uma camada simbólica importante. Quando um governador pede perdão em vídeo, não está apenas falando às vítimas. Ele está ensinando politicamente que humildade é compatível com liderança. E essa é uma mensagem muito poderosa, especialmente num país em que presidentes, ministros e prefeitos frequentemente dobram a aposta em vez de admitir o erro.

Lula e Bolsonaro, por exemplo, raramente recuaram em suas trajetórias. Ambos construíram suas imagens sobre a ideia de infalibilidade (são “mitos”) e pagaram caro por isso em alguns momentos. A altivez permanente pode inspirar bolhas de apoiadores, mas amplia o abismo entre o político e o cidadão comum.

Em outros países, como Estados Unidos e Canadá, há exemplos históricos de como a cultura da desculpa pode ser politicamente rentável. Bill Clinton sobreviveu ao “escândalo da estagiária” porque, além de pedir desculpas, reconstruiu sua narrativa em torno da entrega de resultados concretos. Justin Trudeau, ao se desculpar por antigas fotos racistas, mostrou vulnerabilidade. Em ambos os casos, a lição é a mesma: pedir desculpas é apenas o primeiro capítulo da reparação. O que vem depois é o que define se o gesto foi apenas tático ou verdadeiro.

E essa é, talvez, a principal diferença entre a comunicação eficiente e a afetiva. A primeira resolve o problema político. Já a segunda reconstrói confiança. O vídeo de Tarcísio cumpre o primeiro papel, mas apenas toca o segundo.

Por fim, há uma ironia interessante nessa história: o mesmo governador que se tornou símbolo do gestor técnico, da “entrega” e da eficiência acabou protagonizando um episódio que o obrigou a exercitar a emoção. E, paradoxalmente, ele se saiu maior dessa pequena crise. Mostrar vulnerabilidade não enfraquece, fortalece. Ele não tentou justificar, nem transferir a culpa, nem dizer que foi “mal interpretado”. Apenas disse “errei” e “peço perdão”. Parece simples, mas no mundo político isso é revolucionário.

No fim, o que o episódio ensina é que o público não espera infalibilidade. O erro pode ser perdoado, mas a arrogância, não. A crise do metanol está mal começando e ainda vai exigir do governo de São Paulo ações práticas, como leis mais duras, fiscalização rigorosa e punições exemplares. Mas, no plano simbólico, Tarcísio já deu o primeiro passo. Seu vídeo é um exemplo de que pedir desculpas é o contrário de fraqueza: é uma demonstração de controle.

Em comunicação política, se errar é inevitável, pedir perdão é opcional. No entanto, saber como fazê-lo é o que separa os homens dos meninos.

Agora, uma reflexão final: o que teria acontecido se Bolsonaro tivesse se desculpado pelas declarações infelizes, ditas em série, durante a pandemia? Ele teria sido reeleito? Ninguém pode afirmar que sim, nem que não. São os mistérios da política.

Ps: imagem criada com auxílio da IA

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