Ângelo Arruda escreve artigo sobre a legislação dos Terrenos de Marinha no Brasil, incluindo a cobrança de laudêmio e taxas de ocupação, e analisa a PEC 02/2022 que propõe mudanças no manejo desses terrenos.
A história dos Terrenos de Marinha remonta ao período colonial brasileiro, das Capitanias Hereditárias e sesmarias. Séculos depois, com a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, em 1808, houve uma maior preocupação em relação à defesa das fronteiras do país e à exploração dos recursos naturais do litoral. Foi nesse contexto que surgiram as primeiras leis que definiram os terrenos da Marinha como propriedade da União.
A primeira legislação sobre o assunto foi o Alvará de 13 de maio de 1831, que estabeleceu a faixa de 33 metros a partir da maré alta como Terrenos de Marinha. Com o passar dos anos, a legislação foi sendo aprimorada e atualizada, definindo critérios mais precisos para a demarcação dos terrenos da Marinha e para a cobrança do laudêmio. Atualmente, a legislação que comanda o tema são o Decreto-Lei 9.760 de 1946 e a Lei federal nº 9.636/1998.
Já os Acrescidos de Marinha também são bens da União. São porções de terras que anteriormente eram cobertas pelo mar (espelhos d’água) ou eram mangues, praias ou canais marítimos, que foram aterrados após o ano de referência para determinação da Linha da Preamar Média (LPM). São tipos de bens da União além dos Terrenos de Marinha, Margens de rios, Ilhas, Unidades de conservação, Terras rurais arrecadadas, Terras indígenas e outros bens.
A demarcação da Linha do Preamar Média (LPM) é um procedimento administrativo, declaratório de propriedade, definido no Decreto-Lei nº 9.760, de 1946. Tal demarcação é realizada pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), por meio de estudos técnicos com base em plantas, mapas, documentos históricos, dados de ondas e marés.
A ocupação privada dos Terrenos de Marinha, bem como dos acrescidos de marinha, seja por particulares, comércios ou indústrias, enseja o pagamento de uma retribuição pelo uso de um bem público, isto é, que pertence a todos os brasileiros.
A depender do regime de ocupação do terreno, o responsável deverá recolher anualmente o foro ou a taxa de ocupação. Além disso, sempre que houver comercialização de um imóvel em Terreno de Marinha deve haver o recolhimento do laudêmio.
O laudêmio é uma taxa única que deve ser paga pelos proprietários de imóveis localizados em Terrenos de Marinha quando há transferência de propriedade do imóvel. Essa taxa corresponde a 5% do valor do imóvel na época da transação e é devida à União em contrapartida ao uso do terreno da Marinha. Para efeito de comparação, ele é uma espécie de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) que implica na transferência do domínio útil do imóvel.
Já a taxa de ocupação é uma taxa anual que deve ser paga pelos ocupantes de terrenos da Marinha, sejam eles proprietários de imóveis ou simples possuidores, em contrapartida pelo uso da área. O valor dessa taxa é calculado com base em uma porcentagem do valor do terreno, que varia de acordo com a localização e a destinação do terreno.
Por fim, o foro é cobrado todos os anos pelo uso do imóvel sob regime de aforamento. Essa taxa corresponde a 0,6% do valor do terreno e é uma espécie de aluguel que deve ser pago pelo uso da área, em um contrato estabelecido com a União.
Os proprietários de Terrenos de Marinha podem enfrentar diversas implicações legais e financeiras em relação à posse e uso dessas áreas. Uma delas é a obrigatoriedade de pagamento das taxas de ocupação e do foro, que incidem sobre a posse ou propriedade do Terreno de Marinha.
Caso não sejam pagas, a União pode mover ação de cobrança ou de desapropriação do terreno. Outra implicação importante é a restrição do uso dessas áreas. Os Terrenos de Marinha são considerados patrimônio público e, por isso, seu uso deve obedecer às leis e normas estabelecidas pela União e não dos municípios.
Algumas atividades, como a construção de imóveis, por exemplo, podem requerer autorização prévia da SPU e estar sujeitas a algumas restrições, como a altura máxima das construções. Além disso, a transferência de propriedade de imóveis situados em terrenos da Marinha também pode apresentar implicações. Como mencionado anteriormente, o laudêmio deve ser pago na ocasião da transação e corresponde a 5% do valor do imóvel.1
De acordo com a SPU (2023), há 584,7 mil terrenos de marinha no Brasil. As áreas pertencem à União, que recebe uma espécie de “aluguel” de quem ocupa as áreas. Em 2023, os terrenos renderam R$ 1,1 bilhão ao governo; 566 mil destes (99,5% do total) são cedidos a pessoas ou empresas, mas também podem ter destinação pública; o restante dos terrenos é ocupado diretamente pela administração pública (federal, estadual ou municipal). Juntos, eles somam área total de 24,5 mil km²; Em Florianópolis (SC) são 12.681 terrenos de marinha cedidos a terceiros e outros 158 são ocupados pela administração pública.
Esses últimos dias, a sociedade foi surpreendida com a discussão de uma PEC relatada no Senado, mas que sua origem é de 2011 dos deputados Arnoldo Jordy (PA), José Chaves (PE) e Zoinho (RJ). Lá no parlamento ela tramitou por 11 anos até que em 2022 foi remetida para o Senado e virou PEC 03/2022 e é ela quem está nesse momento em discussão. Uma PEC de tramitação bicameral.
Portanto o assunto circula nos corredores do Congresso há 13 anos desde a sua origem e o barulho somente aconteceu agora?
Vamos ver com lupa o que está rolando. No Senado ela tem como relator o senador Flávio Bolsonaro e em 27 de maio de 2024, ele coordenou uma audiência pública e aí a PEC desconhecida virou notícia nacional. As declarações foram ruins. E a manchete pesa mais que o texto real. Fui pesquisar para entender e opinar.
De um lado quem defende a PEC argumenta que a SPU é lenta, que tem poucos técnicos, que o laudêmio deveria acabar, que os Estados e Municípios teriam mais condições de tratar da questão; do outro lado, argumenta-se perdas ambientais, privatização de praias, um inferno vem por aí.
Ora. Mas como a SPU informa tem quase 600 mil Terrenos de Marinha nas mãos de particulares, e somente agora nos demos conta que, se municipalizar, haverá privatização? Ora, essas terras já não estão “privatizadas em seu uso”? Escutei senadores da oposição contrários dizendo que se acabar com o laudêmio, etc, ou seja, com a tributação, o tema fica mais calmo.
O que a União federal quer com um patrimônio de TM na Avenida Beira Mar de Florianópolis que há 70 anos está com um prédio em cima e que os moradores donos, pagam os tributos? Vai pedir para demolir? Sejamos sensatos né. Laudêmio, esse imposto imperial, é um desacato tributário e todas as taxas de aforamento etc.
Portanto, a primeira sacada é retirar os tributos. A segunda é elaborar um grande levantamento geoprocessado (que aí sim, os municípios e os Estados realizariam) visando conhecer tudo na palma da mão. Depois disso tudo, uma análise dos municípios identificando aqueles TM que seu uso está em desacordo com todas as normas legais e esses, teriam, a cessão suspensa e passariam para os municípios e somente nesses casos. E sendo assim, a gente distensiona tudo.
Conversar é a melhor saída. Estudar também. E propor saídas no texto da PEC 02/2022. Dialogando sempre e ouvindo todas as partes.
Ângelo Marcos Arruda é arquiteto e urbanista.