Tilápia, crédito e poder — e não por acaso, as mulheres no centro do campo

Quando até o peixe vira ameaça e o dinheiro some, é o protagonismo feminino que impede o agro de afundar.

Tilápia que Lute

Depois de criar a crise, o governo tenta nadar de volta à superfície. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) garantiu, em nota divulgada ontem, 23, que não há qualquer intenção de proibir o cultivo da tilápia no país — mas o estrago político já foi feito.

A Comissão Nacional da Biodiversidade Conabio ainda decidirá em dezembro se incluirá, ou não, o peixe na lista de espécies invasoras. Até lá, produtores seguem à deriva. O recuo do governo tenta conter o desgaste depois da própria ministra Marina Silva colocar o setor da piscicultura em alerta, ao classificar a tilápia como espécie exótica invasora.

Como a coluna já trouxe aqui, o problema é que a piscicultura já vinha se recuperando de duas pauladas recentes: o tarifaço dos EUA e a importação de tilápia do Vietnã, autorizada em meio à supersafra e à queda de preços. O governo garante que a inclusão na lista seria apenas “preventiva”, mas o setor ouve “alerta técnico” e lê “ameaça velada”.

Repercussão e Pressão

A Associação Brasileira de Piscicultura (Peixe BR) reagiu com firmeza: “Decisões dessa magnitude não podem ignorar o impacto socioeconômico sobre milhares de famílias.”

O Sistema FAEP, do Paraná — responsável por 36% da produção nacional —, alertou que a medida, se aprovada, traria “restrições severas e risco de proibição da atividade”.

No meio do redemoinho, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), chamou a proposta de “piada de mau gosto”. A Conabio, que reúne 12 ministérios, deve votar o tema em dezembro — tempo suficiente para manter o clima de tensão e desconfiança no setor até o fim do ano.

Crédito que não chega

Enquanto o peixe luta para não virar o vilão, o crédito rural segue boiando. A FPA cobrou do governo, na reunião-almoço de terça-feira (21), agilidade na execução da MP 1.314/2025, que destina R$ 12 bilhões — com possibilidade de ampliação para R$ 20 bilhões — à renegociação de dívidas no campo.
Lupion não poupou: “O Plano Safra é totalmente insuficiente diante da dimensão do agro.”

A bancada propôs emenda para elevar o funding a R$ 30 bilhões. A deputada catarinense Daniela Reinehr (PL-SC), linha de frente da FPA, defendeu que “o crédito precisa chegar na ponta, sem burocracia, com condições reais de pagamento”.

Já Tereza Cristina (PP-MS) lembrou que pequenos produtores e arrendatários seguem à margem das medidas atuais: “Muita gente vai ficar de fora. É hora de pensar fora da caixinha.”

Frete pesado

Ainda durante a reunião da FPA, a presidente do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), Tania Zanella, entregou ao presidente Lupion uma carta assinada por 50 entidades, pedindo revisão da Política de Piso Mínimo do Frete Rodoviário.

A metodologia da ANTT, segundo as entidades, é “ultrapassada e descolada da realidade”, inflando custos logísticos e minando a competitividade do setor. “Precisamos de uma tabela justa, que reflita o custo real e reduza o peso sobre quem produz”, disse Tânia.

Agro por Elas

Um estudo da Quiddity e Bayer revelou que 93% das mulheres do agro se consideram influentes, mas só 6% ocupam cargos de liderança. É o retrato de um campo que ainda reluta em reconhecer quem move a engrenagem. A boa notícia: 69% delas querem liderar e 80% defendem dar visibilidade a quem já comanda o dia a dia das propriedades.

O Congresso Nacional das Mulheres do Agro (CNMA), que começou ontem e termina hoje, em São Paulo, celebra 10 anos reunindo 3 mil produtoras e executivas sob o tema “Mulheres que mudam o mundo para melhor”. Entre painéis e debates sobre inovação, sustentabilidade e bioeconomia, o evento destaca: o futuro do agro também é feminino.

A Bayer, que já tem 34% de mulheres na divisão agro e promete chegar a 50% até 2030, aproveita o CNMA pra entregar o Prêmio Mulheres do Agro, que bateu recorde de inscrições

Se depender da próxima geração, o campo vai ter mais salto do que botina na sala de reunião.

E, como lembrete do peso dessa presença feminina, a coluna recorda: a pesquisadora da Embrapa, Mariângela Hungria, recebe hoje, 23, o Prêmio Mundial da Alimentação — o “Nobel da Agricultura” —, pelo impacto global de seus estudos com bioinsumos e sustentabilidade. A cerimônia será em Des Moines (EUA) às 21h (horário de Brasília) e poderá ser acompanhada pelo site da Fundação WFP.

“Não é por acaso”

Se até a tilápia já sentiu o gosto do tarifaço, do Vietnã e agora da burocracia, o aviso está dado: o Brasil precisa decidir se quer segurança jurídica ou adrenalina regulatória.

Porque enquanto Brasília discute, são mulheres que garantem crédito, salvam imagem, costuram política e defendem os produtores da próxima crise — antes dela estourar.

Não é força de expressão: o risco maior do Brasil hoje não é a tilápia invadir nada — é a política subestimar quem já está de fato governando o campo e alimentando o mundo.

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