Se é verdade que os vinhos trazem histórias engarrafadas, imagine o que pode nos contar uma garrafa que, na jornada do vinhedo até a taça, visitou o fundo do mar!
Pois isso é o que está acontecendo com centenas de garrafas que hoje amadurecem no litoral catarinense, na Underwater Cellar Bombinhas, primeira adega de vinhos subaquática do Brasil.
O lançamento do projeto foi realizado ontem (5), em recepção para um seleto grupo de convidados em Bombinhas. Lá conversei com os idealizadores e com produtores envolvidos na iniciativa e pude degustar um dos vinhos submersos. Os detalhes, conto para vocês aqui.
Por que levar garrafas para o fundo do mar?
Para entender a ideia da Underwater Cellar é necessário saber que o vinho, depois de engarrafado, começa o processo de envelhecimento. É nesse período que ele pode ganhar as chamadas “notas terciárias” que são aromas e sabores que só se desenvolvem na interação “do vinho com ele mesmo” exigindo muito tempo e paciência. Um excelente pinot noir, por exemplo, que jovem exibia predominantemente aromas de frutas frescas, desenvolve notas de cogumelos ou couro com o processo de envelhecimento.
Eduardo Lazzarin, sommelier e um dos idealizadores do projeto, explica que a adega subaquática é capaz de pode acelerar ou retardar o processo de envelhecimento dos vinhos: “É como uma máquina do tempo, justamente pelas condições que o fundo do oceano oferece: ausência de luz, temperatura estável e movimento contínuo das ondas, que proporciona uma nano movimentação das proteínas e carboidratos presentes no vinho”, explica.
Na Underwater Cellar, gaiolas de aço ficam submersas em uma profundidade de 10 a 15 metros no oceano, em temperatura entre 16 e 19 graus e com capacidade para armazenar até 20 mil garrafas. Tudo é monitorado 24 horas e as garrafas são retiradas periodicamente para análise química e sensorial.
O que acontece com os vinhos submersos?
As primeiras garrafas do projeto foram abertas ontem, no evento de lançamento, após 19 meses submersas. Além dos convidados, os produtores catarinenses presentes se mostraram entusiasmados com o resultado.
Nesta degustação, tive a oportunidade de comparar um vinho branco – produzido por uma das vinícolas catarinenses – nas versões submersa e não submersa e percebi nítida diferença entre as duas. A primeira, que estagiou no mar, apresentou notas aromáticas de fruta muito mais intensas do que a segunda – o que pode indicar, neste caso, que o estágio retardou o processo de envelhecimento.
Mas, para além das percepções pessoais de quem acompanhou a degustação informal, resultados assertivos e claros serão obtidos após análises que começam a ser feitas agora pela equipe da Epagri – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – que é parceira do empreendimento. O futuro nos trará detalhes sobre o funcionamento da “máquina do tempo dos vinhos”.
Quais vinhos estão submersos?
Sete vinícolas catarinenses participam do projeto: Pericó, Suzin, Monte Agudo, Gaudio, Villagio Conti, Hiragami e Santa Augusta. Cada uma delas selecionou dois rótulos de tintos ou brancos para esta primeira etapa do projeto. “Temos planos de aumentar o volume para próximas etapas, incluindo também nossos espumantes e atraindo outros produtores”, contou Diego Censi, presidente da Associação Vinhos de Altitude e proprietário da Vinícola Pericó.
Marcos Hiragami, proprietário da Vinícola Hiragami, também aposta na nova ligação entre a serra e o litoral catarinenses: “Nossos vinhos são produzidos a 1200 metros acima do mar e agora podem passar esse período abaixo do nível do mar. Certamente essa experiência destaca ainda mais nossa busca por qualidade nos vinhos”, aponta.
Também têm garrafas submersas as vinícolas gaúchas Arte Líquida, Alba Destilaria e Vita Eterna e a italiana Tenuta Malucelli. Todas compartilham o estilo boutique, priorizando a qualidade de seus produtos sobre a quantidade.
Na foto, o sommelier Eduardo Lazzarin com representantes da Epagri e das vinícolas catarinenses que fazem parte do projeto: Patrícia Ferraz (vinícola Monte Agudo) Diego Censi (vinícola Pericó) Marcos Hiragami (vinícola Hiragami) e Everson Suzin (vinícola Suzin)
Quem comanda o projeto?
A iniciativa é uma parceria entre o sommelier Eduardo Lazzarin, também proprietário da adega Catta Wines e o mergulhador Renieri Balestro, fundador da empresa de mergulho Patadacobra e morador da região há mais de 35 anos. Para ambos, o novo empreendimento deve contribuir para o crescimento do turismo nacional, com a criação de roteiros de degustação e mergulho.
“Vi neste projeto uma oportunidade mágica de fomentar nosso turismo de inverno, já que essa é uma grande necessidade do município e da região. Espero que a ligação serra-mar proporcionada pelos vinhos se solidifique, beneficiando todo o trade turístico”, conclui Renieri.