TSE julgou Bolsonaro à (lava) jato para tirá-lo do jogo. Quem comemora hoje, reclamou ontem

A primeira vez que eu ouvi falar – e acompanhei como jornalista – a expressão “abuso de poder político e dos meios de comunicação” foi no final de 2006, quando o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SC) julgou a ação movida pela coligação de Esperidião Amin (PP), segundo colocado nas eleições para governador daquele ano, contra o vencedor Luiz Henrique da Silveira (PMDB). A tese de Amin era robusta e apontava uma espécie de campanha pré-eleitoral e eleitoral permanente com o apoio de empresas de comunicação amigas do poder em torno da divulgação da chamada descentralização administrativa. LHS venceu no tribunal local por exíguos quatro votos a três.

No recurso ao Tribunal Superior Eleitoral, o caso só se resolveria três anos e meio depois. O primeiro julgamento foi interrompido com três votos a zero pela cassação de Luiz Henrique. Um cavalo de pau jurídico – a mudança de jurisprudência para que o vice-governador Leonel Pavan (PSDB) tivesse direito a defesa – parou o julgamento até maio de 2009, o que fez ele ser retomado quando os três ministros que votaram contra LHS já haviam deixado a corte. Com a nova composição, Luiz Henrique venceu Amin no TSE por seis votos a um. A história seguiu seu curso como a conhecemos.

Por que relembro Luiz Henrique e Amin no dia em que o TSE condenou por cinco votos a dois o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por abuso de poder político e abuso dos meios de comunicação em um julgamento que transcorreu em oito dias? Por duas questões. A velocidade dos julgamentos e a argumentação das defesas.

No caso de LHS, o argumento que prevaleceu para os juízes eleitorais e os ministros do TSE foi o da potencialidade. Praticamente nenhum magistrado discordou de que o então governador peemedebista usou e abusou dos meios de comunicação, utilizando para isso seu poder político. No entanto, não viram potencial naquelas publicações caça-níquel (e recolhe-níquel) em mudar os rumos da eleição catarinense vencida por 52,71% a 47,29% – o equivalente, na época, a 173.268 votos. No caso de Bolsonaro, os ministros Nunes Marques e Raul Araújo foram votos vencidos na tese de que o ex-presidente passou do ponto com a convocação da reunião com os embaixadores para tentar colocar em xeque o sistema eleitoral brasileiro, mas que não havia potencial naquela patacoada para influenciar o resultado eleitoral.

Na questão da velocidade, mesmo levando em conta que no caso das candidaturas presidenciais não há o julgamento na esfera estadual, o julgamento de Bolsonaro foi célere como poucas vezes se viu – até porque foi em Brasília que o julgamento de LHS convenientemente parou. O tempo acompanhando política e judiciário, especialmente quando se confundem, me ensinou a prestar mais atenção no que anda rápido demais do que nas demoras. Ficou claro que o julgamento não foi apenas sobre o caso específico, mas sobre um conjunto da obra – boa parte dela, fora dos autos.

O pacote de abuso de poder político do ex-presidente durante seus quatro anos de mandato e o clima permanente de campanha eleitoral antecipada, tudo isso faria qualquer prefeito ou governador temer a cassação se fizesse 1% do que fez Bolsonaro. Aqui em Santa Catarina, temos dois exemplos de prefeitos que perderam o cargo com esse tipo de acusação, curiosamente ambos em Criciúma: Décio Goes (PT) e Clésio Salvaro (ex-PSDB, agora no PSD). A gente sabe, sempre soube, que é muito mais fácil cassar um prefeito por questões eleitorais do que um governador. O prefeito bolsonarista que duvidar, experimente fazer uma só motociata em período pré-eleitoral.

Bolsonaro apostou alto que o barulho de sua militância e o ineditismo desse tipo de punição para presidentes seria escudo suficiente. Talvez fosse se não tivesse acontecido 8 de janeiro de 2023 – mas aconteceu. Neste momento, como em tudo na odiosa polarização política em que vivemos, parte do Brasil comemora a inelegibilidade a jato de Bolsonaro, outra parte se revolta e uma terceira parte, não sabemos de que tamanho, tenta decidir que lado é menos pior para aderir.

Nesse contexto, uma preocupação pertinente é a banalização de condenações e inelegibilidades. Ontem foi Lula, que também foi julgado à (lava) jato por um tribunal colegiado mais disposto a  impedir sua participação em uma eleição do que em analisar ponto a ponto a condenação de primeira instância. Hoje, é Bolsonaro. Quem tinha raiva ontem, comemora hoje – e vice-versa. E assim a história vai seguindo um curso que não sabemos onde vai dar.


Sobre a imagem em destaque:

Plenário do TSE na sessão que concluiu julgamento que tornou inelegível o ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Antonio Augusto, TSE.

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