Uma jornada à frente do Sistema Prisional Catarinense: Trabalho, ressocialização e compromisso com a segurança. Por Ada de Luca

Ada de Luca escreve artigo sobre como a modernização do sistema prisional impacta a segurança pública. Leia mais no site upiara.net.


Durante os sete anos em que estive à frente da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania de Santa Catarina (2011-2018), nos governos Raimundo Colombo (PSD) e Eduardo Pinho Moreira (MDB), tive como principal missão transformar o sistema prisional catarinense em um modelo de referência para o Brasil. Desde o primeiro dia, o governador me deu plena autonomia para que pudesse cumprir o compromisso foi com a valorização dos servidores e a criação de oportunidades reais de ressocialização para os apenados, acreditando que um sistema prisional eficiente e humanizado é fundamental para a redução da violência e o fortalecimento da segurança pública.

Nosso foco sempre esteve na reinserção social por meio do trabalho e da educação. Em 2018, quando deixei a Secretaria, 31% dos apenados catarinenses estavam trabalhando e mais de 3,8 mil haviam concluído cursos profissionalizantes em áreas como panificação, corte e costura, eletricista e auxiliar de pedreiro. Além disso, 5,4 mil apenados se formaram no ensino médio e fundamental, e o número de inscritos no Enem cresceu mais de 90%. Esses números demonstram que ressocializar é possível e que oferecer dignidade por meio da capacitação profissional impacta diretamente na segurança das unidades prisionais e na redução da reincidência criminal.

Sabemos que o ambiente carcerário pode ser desafiador. Tivemos muitos problemas, não podemos negar. Mas como dizia o governador durante tanto de crise quanto de apresentação do trabalho que vinha sendo realizado pela secretaria: “Secretária, jamais poderemos agradar a todos, mas podemos fazer um trabalho que possa ser reconhecido por todos, e para isso, o dialogo será a chave para o sucesso”. E então conseguimos implementar um modelo em que trabalhar se tornou uma realidade para muitos detentos. Isso só foi possível devido aos mais de 200 convênios firmados com empresas privadas, órgãos públicos e Organizações Não Governamentais (ONGs). Os apenados receberam remuneração mínima de um salário-mínimo, garantindo dignidade não apenas para eles, mas também para suas famílias. O esforço catarinense nesse sentido foi reconhecido nacionalmente. Em abril de 2018, o programa Fantástico, da Rede Globo, exibiu uma reportagem elogiando nosso modelo de ressocialização, e ministros da Justiça como José Eduardo Cardozo, Torquato Jardim e Sérgio Moro destacaram Santa Catarina como um exemplo para o país.

Nenhuma mudança no sistema prisional acontece sem servidores valorizados. Foi por isso que, durante minha gestão, assegurei a primeira aquisição de uniformes para agentes penitenciários e agentes de segurança socioeducativos. Investimos fortemente na compra de equipamentos de proteção individual, incluindo coletes balísticos, armamentos, munição e viaturas operacionais. Além disso, nomeamos mais de 500 novos agentes penitenciários, garantindo mais segurança para quem trabalha diariamente no sistema prisional catarinense.

Outro grande marco foi a criação da Academia de Justiça e Cidadania (Acadejuc), que ofertou mais de 11 mil capacitações para servidores, incluindo uma pós-graduação em Gestão Penitenciária. Investir na qualificação dos agentes refletiu diretamente na segurança e na eficiência da administração penitenciária.

Conseguimos concretizar 8,3 mil novas vagas prisionais, enquanto a demanda de ingressos no sistema aumentou em 7,1 mil. Ou seja, criamos mais vagas do que o número de novos presos no período. Esse planejamento estratégico ajudou a manter Santa Catarina com um dos menores déficits de vagas do Brasil, cerca de 3,8 mil, representando 23% da população carcerária, enquanto a média nacional ultrapassa os 60%.

Ao todo, 50 unidades prisionais compõem o sistema catarinense, incluindo 10 penitenciárias, 23 presídios, 14 unidades prisionais avançadas, uma colônia penal agrícola, uma casa do albergado e um hospital de custódia. Durante minha gestão, 10 novas unidades foram inauguradas, sempre com arquitetura moderna e baseada em princípios de humanização e segurança. Além disso, 18 unidades passaram por reformas e ampliações, melhorando a estrutura para os agentes penitenciários e reeducandos.

A superlotação sempre foi um dos nossos desafios. Durante décadas se discute, a necessidade de desativar o Complexo Prisional da Agronômica, em Florianópolis, durante a gestão do governador Raimundo Colombo, não foi diferente. Chegar a um entendimento para que a bomba-relógio que está no coração da cidade pudesse ser desativada. Tentamos transferi-lo para outras regiões, como Imaruí, onde uma nova unidade receberia 1.200 presos em regime fechado, mas enfrentamos resistência das prefeituras. Infelizmente, a dificuldade em encontrar um município disposto a receber essa unidade atrasou uma solução definitiva.

Soma-se aos aspectos que dificultam a transferência do complexo prisional, o fato de ele ter partes tombadas, com isso a ideia de querer fazer projetos para aproveitar a área, como vem sendo divulgados, deve se ter cautela. Muitas vezes, querer não é poder. Uma certeza eu tenho, o governador Raimundo Colombo sempre quis.

O sucesso do nosso trabalho foi possível graças a investimentos significativos e parcerias estratégicas. Em 2013, o governador Raimundo Colombo lançou o programa Pacto por Santa Catarina e destinou R$ 27,7 milhões para melhorias no sistema prisional, permitindo modernizações e expansões essenciais. Além disso, tivemos no Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE) um grande aliado, apontando falhas e contribuindo para a implementação de melhorias. Cumprimos a maioria das recomendações do TCE e trabalhamos juntos para garantir um sistema mais eficiente.

Também promovemos eventos como a 1ª Mostra Laboral do Sistema Prisional de Santa Catarina, realizada em 2014, no Centro Integrado de Cultura (CIC), em Florianópolis. O evento reuniu empresários, professores, pesquisadores universitários e autoridades para debater o trabalho prisional e sua importância para a ressocialização.

Entregamos em 2018 um dos mais seguros do país. Desde 2011, quando assumimos, o número de fugas caiu mais de 56%. Além disso, Santa Catarina tinha um dos menores índices de evasão em saídas temporárias: apenas 4,5% dos beneficiados não retornaram em 2017, ou seja, mais de 95% voltaram voluntariamente. Isso demonstra que nosso modelo de gestão que até então funcionava.

Durante o tempo em que estive a frente da Secretaria de Justiça e Cidadania, nenhum caso de tortura foi denunciado oficialmente, ao contrário do que apontam relatórios de 2023. Sempre priorizamos a dignidade humana e investimos em um ambiente mais seguro e estruturado.

Ao atual governo do estado, faço um alerta: o descontentamento da classe dos agentes prisionais pode se tornar um barril de pólvora. Valorizar esses profissionais é fundamental para manter a estabilidade do sistema. É preciso escutar a categoria, garantir melhores condições de trabalho e seguir investindo na segurança.

É preciso que o sistema prisional catarinense volte a ser o modelo que foi reconhecido até internacionalmente. Santa Catarina tem pressa, e pode mais, inclusive na atenção ao sistema prisional.

Para a administração municipal, sugiro reconhecer o trabalho feito ao longo dos últimos anos, e se o Complexo da Agronômica ainda está ativo, não foi por falta de vontade política daquele governo em que pude estar no comanda da pasta.

Entender as dores de cada servidor público, ter empatia por aqueles que arriscam diariamente suas vidas para manter a ordem no sistema prisional é fundamental para que se possa resgatar o modelo prisional, que virou referência até internacionalmente, entregue pelo governador Raimundo Colombo ao fim do seu mandato. O trabalho humanizado começa pelo reconhecimento desses servidores, assim como dos agentes de segurança em todo o estado.

Deixei a Secretaria da Justiça e Cidadania com a plena sensação de dever cumprido. Não deixei apenas um lema, mas um legado:

Sistema Humanizado, Cidadania Respeitada.


Ada de Luca é ex-deputada estadual e ex-secretária de Estado da Justiça e Cidadania de Santa Catarina

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