Por Ingrid Sateré Mawé, Vereadora de Florianópolis

Florianópolis sempre foi apresentada ao mundo como um paraíso. Um lugar onde o urbano e o natural convivem em harmonia, onde se acorda com o som do mar e se caminha entre lagoas, dunas e florestas. Essa imagem, que alimenta o desejo de turistas e novos moradores, é também o que dá sentido à vida de quem nasceu aqui.
As Unidades de Conservação (UCs) são as guardiãs desse patrimônio, e compreender seu papel é essencial para proteger o que torna a Ilha única.
Regidas pela Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), as UCs são o instrumento mais eficaz que o Brasil possui para conservar seus ecossistemas e garantir o equilíbrio ambiental necessário à vida. Elas têm funções específicas: preservar a biodiversidade, manter os processos ecológicos e assegurar que o uso dos recursos naturais ocorra de forma equilibrada e sustentável.
Algumas têm proteção integral, com uso restrito; outras, de uso sustentável, permitem a presença humana, desde que são resultado de estudos técnicos que consideram compatível com a conservação. Todas conectividade entre habitats, presença de espécies ameaçadas, fluxos hídricos e gradientes de vegetação. Na Ilha de Santa Catarina, unidades de conservação como a REVIS Meiembipe e o MONA da Lagoa do Peri não são espaços intocáveis; são áreas de uso público, abertas à pesquisa, ao lazer responsável, à convivência entre as comunidades e a natureza. Quando se fala em “revisar os limites” de uma UC, é fundamental entender que isso não se resume a uma alteração cartográfica. Reduzir o território protegido significa reduzir a capacidade ecológica de autorregulação de um ecossistema, afetando a estabilidade do solo, o ciclo da água, a filtragem natural do ar e a manutenção da fauna e flora locais.
Os ecossistemas funcionam em rede: um mangue depende dos cursos d’água que o alimentam, da vegetação que o protege e das espécies que ali se reproduzem. Quando um limite é reduzido, perde-se parte dessa rede. As bordas antes protegidas tornam-se zonas vulneráveis à erosão, ao assoreamento e à invasão de espécies exóticas. É o chamado efeito de borda, fenômeno já amplamente documentado por estudos em ecologia de paisagens.
A fragmentação reduz a resiliência ecológica, isto é, a capacidade dos sistemas naturais de resistir e se recuperar de perturbações. Áreas maiores e contínuas são mais estáveis, armazenam mais carbono, regulam melhor a temperatura e enfrentam com mais eficiência eventos extremos como secas e tempestades, cada vez mais frequentes com as mudanças climáticas.
Em cidades costeiras como Florianópolis, dunas, restingas e manguezais funcionam como uma barreira natural contra ressacas e erosão marinha, na primeira linha de defesa da cidade contra eventos climáticos extremos.
Por isso, a redução dos limites de uma UC também compromete sua função climática: quanto menor a área, menor sua capacidade de adaptação e de mitigação dos impactos ambientais.
As Unidades de Conservação também têm valor científico e cultural. São laboratórios vivos, onde se estudam os ciclos naturais e se testam estratégias de manejo sustentável. São espaços de aprendizado, lazer e turismo de natureza, que conectam ciência, comunidade e economia local. Florianópolis, cuja vocação turística se apoia diretamente na integridade ambiental, depende da preservação desses ambientes para manter seu apelo como destino de qualidade e sustentabilidade.
Não se trata de romantismo ecológico, mas de responsabilidade política em tempos de emergência climática. Nossos rios, lagoas e praias já estão sofrendo com esgotos, ressacas e estiagens. A Lagoa do Peri há tempos vem secando pelo uso de suas águas para o abastecimento da população. Com a redução dos limites do MONA da Lagoa do Peri, a disponibilidade de água seria ainda menor.
Há ainda um fundamento jurídico essencial: o princípio da não regressão ambiental, reconhecido por juristas e organismos internacionais. Ele estabelece que não se pode retroceder em níveis de proteção já alcançados. Diminuir os limites de uma UC viola esse princípio e fragiliza a confiança na política ambiental.
Manter as Unidades de Conservação em sua integridade é uma estratégia de segurança climática, de saúde ambiental e de bem-estar coletivo. São elas que garantem a permanência dos processos que sustentam a vida e a beleza da Ilha. São elas que sustentam a identidade da cidade.
A verdadeira riqueza de Florianópolis não está no que se pode construir, mas no que ainda se consegue preservar. É essa paisagem, esse conjunto de ecossistemas e histórias, que faz da cidade um destino desejado e um lugar possível de se viver. Florianópolis é um ecossistema complexo, interligado, vivo. Suas dunas, os mangues e as florestas não são recursos à disposição, mas heranças que recebemos e devemos devolver às próximas gerações.
Florianópolis se tornou o que é porque a natureza resistiu, e porque parte da população sempre lutou para que ela resistisse. Agora, é preciso reafirmar o óbvio: preservar as Unidades de Conservação não é frear o desenvolvimento, é garantir que ele ainda seja possível. Não há futuro sustentável sem natureza preservada.






