Previdência, segregação das massas e os debates que sempre voltam à Alesc

A revisão dos 14% cobrados dos aposentados do serviço público estadual desde 2021 já teria todos os ingredientes para dominar o debate no último dia de trabalho efetivo na Assembleia Legislativa antes do recesso, nesta terça-feira. A decisão do governo Jorginho Mello (PL) de embutir no projeto em discussão no parlamento estadual uma reforma geral da previdência fez esse caldo ganhar maior temperatura nas galerias do parlamento estadual – e gerar uma grande sensação de dejá-vù.

A reforma de Jorginho, escondida em um imenso pacote de projetos enviada à Alesc no fim deste primeiro ano de mandato, é a quarta que os catarinenses enfrentam. Todas elas tinham o mesmo mote: a previdência vai levar o Estado à falência em algum momento próximo da história. A cada ano aumenta o valor na casa dos bilhões que o Estado precisa tirar do Tesouro para custear o déficit gerado pela ampla diferença entre o que a previdência arrecada de quem está na ativa e o que precisa ser gasto para pagar as aposentadorias dos inativos. A chamada “solidariedade entre gerações” não paga a conta.

Se o mote é sempre o mesmo, mudam as soluções – com os limites que cada época impunha. Em 2008, Luiz Henrique da Silveira (PMDB) apresentou a segregação das massas como solução mágica. Um corte radical separando os servidores que estavam na ativa até então dos que ingressariam no serviço público a partir dali. Os primeiros permaneceriam no deficitário fundo previdenciário socorrido pelo Tesouro. Os demais, passariam as ter as contribuições depositadas em um novo fundo, saudável e capitalizado no mercado financeiro. Seria o fim imediato da solidariedade de gerações e uma contagem regressiva para o fim do fundo deficitário, estancando a sangria previdenciária.

Em 2015, Raimundo Colombo (PSD) aproveitou a possibilidade criada na reforma nacional da previdência na gestão Dilma Rousseff (PT) para trazer para Santa Catarina a possibilidade de criação de fundo complementar para aposentadorias de salários mais altos – deixando para o Tesouro o limite igual ao do INSS para a iniciativa privada, hoje na faixa de R$ 7 mil. O que excedesse, iria para o fundo complementar. Colombo também aumentou a aliquota paga pelos efetivos e aposentados de 11% para 14%, excluindo os inativos que ganhavam menos que o teto do INSS – preste atenção, é a origem do que discutimos hoje. A reforma de 2015 também “ressegregou as massas”, trazendo os servidores contratados depois de 2008 para o fundo podre e usando os recursos armazenados no fundo mais jovem no déficit previdenciário. A medida ajudou o governo a atravessar a crise econômica sem atrasar salários.

Em 2021, o governo Carlos Moisés (Republicanos) também trouxe para Santa Catarina alguns efeitos da reforma previdenciária nacional da gestão Jair Bolsonaro (PL) – redução de idades mínimas de aposentadoria, regras mais rígidas para pensão por morte, etc. Incluiu a questão que abre o texto: avançou onde Colombo não teve coragem e passou a isentar dos 14% apenas os aposentados que ganham menos de um salário mínimo. Sem isso, a “economia” prevista com a reforma miguaria. A revolta entre os aposentados foi tão grande que há quem acredite que a medida acabou tirando Moisés do segundo turno em 2022.

Jorginho Mello prometeu revisar a questão. Escolheu bem a palavra para não se comprometer com a volta da isenção ao patamar de R$ 7,5 mil. No final do ano, quando já tramitava um projeto do deputado estadual Fabiano da Luz (PT) para o retorno ao modelo anterior, o governador enviou à Alesc um projeto mais brando – aumento gradual da isenção até 2026, começando com a ampliação da isenção para dois salários mínimos (R$ 2.640).

A questão por si já deixaria a Alesc em ebulição neste final de ano, mas Jorginho trouxe de volta o tema da segregação das massas do tempo de Luiz Henrique, extinta por Colombo. Isso acendeu ainda mais os sindicatos ligados ao funcionalismo estadual, que trouxeram à tona os mesmos argumentos de 2008. Defendem a solidariedade de gerações, alegam que os servidores atuais ficariam desprotegidos à mercê de um fundo deficitário e em processo de obsolescência programada, criticam a capitalização dos recursos previdenciários na “especulação financeira”.

É o dejá vù que falei no início do texto. Em sete anos de existência da segregação das massas no serviço pública catarinense, o único risco que presenciamos foi o de um governo em apuros financeiros avançar sobre o fundo saudável. Qualquer nova discussão sobre segregação das massas deveria ser norteada por uma discussão séria sobre proteção desse novo fundo. E não apenas como contrabando de um tema extremamente pontual na história das reformas da previdência de Santa Catarina.

O que estamos vendo na manhã desta terça-feira em que ainda se discute se vai passar em plenário o projeto como Jorginho enviou, somando debates da taxação dos aposentados e da nova segregação das massas, é algo que talvez dê inveja a Luiz Henrique, Colombo e Moisés. Uma reforma radical da previdência votada em uma semana, sem audiência pública regionalizada, sem galerias esvaziadas, sem tiros de bala de borracha em frente ao parlamento.

E para o parlamento estadual e as pessoas que o acompanham de perto, como eu, a certeza de que ainda voltaremos muitas vezes a esse debate.


De frente para os manifestantes, Camilo Martins (Podemos, da CCJ), Marcos Vieira (PSDB, de Finanças) e Ivan Naatz (PL, de Trabalho e Serviço Publico) presidem a reunião conjunta das comissões desta terça-feira.

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