Lucas Dantas Evaristo de Souza escreve artigo sobre o julgamento no STJ que trata da proteção da vegetação de restinga, que pode ampliar a classificação de áreas de preservação permanente, gerando impactos econômicos e ambientais em diversos estados do Brasil.
No mês passado, a mídia noticiou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) iria julgar o importante caso “Restinga”. Embora esperado para as duas últimas semanas antes da posse do novo Presidente do STJ, o Ministro Herman Benjamin, o julgamento não aconteceu. Mesmo estando na pauta de três sessões diferentes, o tema ainda não foi decidido.
Os motivos para o adiamento podem ser variados: muitos processos para julgar, casos complexos em discussão, falta de tempo, pedido de análise extra por algum Ministro, necessidade de um tempo a mais para estudar o caso, ou outras prioridades do relator. Não há como saber exatamente o que impediu o julgamento desse importante caso no mês de agosto.
Mesmo assim, pelo trabalho realizado pelos advogados que representam federações, instituições e sindicatos, é provável que o resultado seja, digamos que, “contrário” aos interesses de quem vê o meio ambiente como um direito fundamental absoluto e inquestionável (não que tal [direito] não seja deveras relevante, mas, como ele, existem tantos outros, possivelmente tão ou mais importantes), seja pela composição do colegiado da Turma naquele período, seja pelo entendimento já externado por alguns outros Ministros acerca da temática em períodos anteriores.
Mas você sabe o que está sendo discutido em Brasília no famigerado caso “Restinga” e como a decisão pode afetar todo o nosso país?
O STJ irá analisar, talvez ainda este ano, como deve ocorrer a proteção da vegetação de restinga. Pela lei federal (Código Florestal Brasileiro), a vegetação de restinga que exerce a função específica de fixar dunas ou estabilizar mangues é área de preservação permanente, passível de uso em casos muito especiais, como utilidade pública, interesse social ou atividades de baixo impacto ambiental.
Por outro lado, a vegetação de restinga comum (aquela que não exerce as funções específicas acima referidas) é considerada parte do bioma Mata Atlântica e, como tal, pode sofrer intervenção dentro dos limites da Lei n. 11.428/06, que às vezes é mais rigorosa que o próprio Código Florestal, e outras vezes abre mais possibilidades de uso na prática, a depender do caso.
No entanto, a Ação Civil Pública proposta é uma tentativa de mudar essa lógica em todo o Brasil. O que se pretende é que toda restinga, não importando a sua função, seja considerada área de preservação permanente – ampliando substancialmente a conotação, enquanto APP, que a lei atribui a esse tipo vegetação
Se essa ideia for aceita, o uso da costa brasileira (e outras áreas) ficará muitíssimo restrito. Isso certamente afetará negativamente a economia, já que a vegetação de restinga está presente em quase todo o território nacional. Os estados litorâneos (ou mesmo outros, cujo território seja composto pela vegetação de restinga) podem perder novos investimentos e projetos, prejudicando o desenvolvimento econômico sustentável. Um exemplo é a fábrica da BMW na cidade de Araquari, Santa Catarina – um investimento internacional que talvez não tivesse acontecido caso essa questionável e ampliativa interpretação que se pretende dar ao ecossistema “restinga” estivesse, à época, em vigor.
Em razão desse eventual cenário um tanto quanto “desanimador”, além de Santa Catarina (onde o caso começou), outros 12 estados estão interessados no processo: Bahia/BA, Ceará/CE, Espírito Santo/ES, Maranhão/MA, Pará/PA, Paraíba/PB, Pernambuco/PE, Piauí/PI, Rio de Janeiro/RJ, Sergipe/SE, Tocantins/TO e Alagoas/AL.
Ao que parece, a interpretação que se pretende dar à questão é exagerada, e atribui ao Judiciário uma prerrogativa de criar “novas regras” (ativismo judicial) em vez de apenas aplicá-las – como é de rigor! No entanto, existe a possibilidade dessa amplíssima interpretação ser levada a efeito, caso não haja um esforço contínuo dos atores envolvidos no processo para explicar o assunto (e principalmente as consequências fáticas e jurídicas do conceito que se pretender dar) aos magistrados do STJ que participarão da votação.
Como os Ministros que irão votar, exceto o relator, nem sempre conseguem compreender com exatidão o tema afeto ao julgamento – por sessão, podem ser julgados mais de mil processos, o que torna quase impossível debater todos os temas discutidos –, é muito importante que se mantenha o assunto em dia constantemente. Em algum momento, Brasília irá analisar a temática e, como houve alteração significativa da composição do órgão colegiado até então responsável pelo caso, há muitas incertezas acerca do resultado final – que, repita-se, pode ser muito prejudicial.
Lucas Dantas Evaristo de Souza é advogado.