Os cadastros nacional e estadual de sex offender. Por Deivid Prazeres

Deivid Prazeres escreve artigo sobre a aprovação de um projeto de lei que cria um cadastro público de condenados por crimes sexuais, destacando suas implicações éticas, a terminologia imprecisa e a ineficácia observada em iniciativas semelhantes. O autor sugere que políticas preventivas, como investimentos em educação e saúde, seriam mais adequadas na proteção de crianças e adolescentes.

O Senado aprovou no último dia 30 de outubro o projeto de lei que permite a criação de um cadastro nacional para consulta pública de dados sobre condenados por crimes contra a dignidade sexual, ou seja, em casos de estupro ou exploração sexual. No mesmo dia, foi aprovado projeto semelhante na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Ambos agora seguem para sanção do Executivo.

O texto da lei nacional estabelece que o nome completo e o número do CPF dos condenados em primeira instância sejam publicados para possíveis consultas públicas. O projeto também determina que, caso o réu seja posteriormente absolvido, seus dados voltam a ser sigilosos. Há, ainda, a previsão de o condenado em primeira instância ser monitorado por dispositivo eletrônico.

O tema é polêmico e recorrente em diferentes unidades da federação, com projetos estaduais tratando do caso. Em 2016, abordei a questão no livro “A criminalização midiática do Sex Offender: A Questão da Lei de Megan no Brasil”. Na ocasião, apontei os efeitos deletérios da iniciativa. O próprio histórico de 10 anos de aplicação da Lei de Megan, criada nos EUA em razão da morte da menina com este nome, apontava para a ineficácia da medida.

Embora de louvável iniciativa e carregada das melhores intenções, no sentido de reduzir a ocorrência de crimes sexuais, especialmente contra crianças e adolescentes, a legislação proposta, paradoxalmente, agrava o problema social que pretende coibir, por desestimular as denúncias formais sobre ocorrência de delitos, criando, na melhor das hipóteses, uma sensação artificial de redução da criminalidade. Afinal, sabe-se que geralmente os predadores sexuais são amigos, familiares e parentes próximos, que, expostos em banco de dados público, passam, já em primeira instância, a ter suas vidas devassadas em um cadastro de criminosos juntamente com seus familiares e as próprias vítimas que são indiretamente identificados.

Outro ponto questionável é a imprecisão terminológica da expressão “pedófilo” utilizada em ambas as propostas. Pedofilia é um transtorno de personalidade patológico reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que se caracteriza pela preferência sexual de alguns sujeitos por crianças pré-púberes ou no início da puberdade. Este comportamento sexual, em si, não é considerado crime pela legislação brasileira, que se limita a punir o pedófilo criminoso baseado em outros delitos, como, por exemplo, o estupro de vulnerável ou algumas condutas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (compartilhamento de material pornográfico etc).

Até porque nem todo pedófilo pratica crimes contra a dignidade de crianças e adolescentes, pois a preferência sexual pode permanecer reprimida durante toda a vida adulta e ser alimentada exclusivamente na mente do sujeito portador desta patologia clínica, sem que necessariamente ele desencadeie uma conduta criminosa.

Do mesmo modo, nem todo sujeito que comete crimes sexuais contra menores necessariamente é um pedófilo, tanto que a maioria dos delitos desta natureza são praticados por pessoas que possuem relações com adultos, mas que se aproveitam do vínculo com a vítima para constrangê-la à prática de ato libidinoso, sendo esta generalização legal do termo “pedófilo” bastante perigosa, especialmente por incluir numa mesma política de segurança pública pessoas que delinquem por razões abissalmente distintas.

Em vez de se criar e manter o almejado cadastro de criminosos sexuais, seria melhor investir em políticas públicas que efetivamente contribuam para a prevenção delitiva, em especial na educação e na saúde, orientando crianças e adolescentes a identificarem os sinais do comportamento criminoso para buscar ajuda e evitar que se tornem potenciais vítimas. Da mesma forma deveria se viabilizar a contratação de profissionais especializados (médicos, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais etc.) para tratar este transtorno psíquico internacionalmente reconhecido, que, como a maioria dos problemas sociais brasileiros, infelizmente deságua e acaba sendo “remediado” exclusivamente na esfera do direito criminal.


Deivid Prazeres, advogado criminalista, pós-graduado em Ciências Criminais e ex-presidente da Associação dos Advogados Criminalistas de Santa Catarina (Aacrimesc).

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
LinkedIn
Reddit