Já disse isso em um ou outro texto, mas nunca canso de repetir: não existe nada na política catarinense igual a uma convenção estadual do MDB. Nenhum outro partido se expõe tanto, mostra tanto as divergências internas a agentes externos – como os jornalistas e integrantes de outros partidos sempre convidados. Ao mesmo tempo, dificilmente alguém deixa a legenda. É como deixar a família.
Na noite de segunda-feira, os emedebistas não fugiram à regra. Desta vez não existia a disputa no voto que tantas vezes marcou essas convenções, pré-convenções, prévias – os diversos motes para reunir a família emedebista.
Desta vez, o MDB acabou olhando para si e para suas contradições: ainda é o maior partido do Estado nos municípios, mas vai precisar lutar muito para manter essa condição diante do natural avanço do PL, vitaminado pela força do governo estadual nas mãos de Jorginho Mello (PL) e pelo magnetismo que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) exerce sobre a maior parte do eleitorado catarinense.
Em 2018, o partido ficou pela primeira vez em terceiro lugar na disputa pelo governo, com Mauro Mariani. Em 2022, ficou novamente em terceiro lugar, mas apoiando uma candidatura do pequeno Republicanos, partido que abrigou o ex-governador Carlos Moisés.
Não por acaso, as duas eleições realizadas depois da morte do ex-governador Luiz Henrique da Silveira, articulador da aliança com o PFL (depois PSD) que manteve a família acoplada ao poder durante 16 anos, entre 2003 e 2018. Sem LHS, a ponta da mesa ficou vazia.
No encontro de ontem, o tom foi dado por outro ex-governador, Paulo Afonso Vieira – adversário interno de LHS naquele tempo de bonança e representante da ala mais à esquerda do partido, os raros nomes que defendem que o partido se reconecte com suas origens.
Coube a ele dizer, em belo discurso, que não há futuro para a legenda se ela tiver uma fala em Brasília e outra em Santa Catarina. Falou, ainda, que se o MDB não tiver projeto e não colocar o 15 nas urnas, o auditório Antonieta de Barros, na Assembleia Legislativa, vai esvaziar convenção após convenção.
Na sequência, subiu ao palco o deputado estadual Antídio Lunelli (MDB), talvez o antípoda ideológico de Paulo Afonso no MDB, o tio bolsonarista da família. E deu razão ao correligionário. Pediu projeto e 15 na urna, relembrando que tinha colocado o nome à disposição, vencido uma prévia (esvaziada, diga-se de passagem) e teve a candidatura negada pelos caciques do partido.
Outro bolsonarista, o deputado federal Rafael Pezenti, também concordou com Paulo Afonso sobre ter “um pé em cada canoa” e deixou bem claro onde estavam os seus: junto ao sentimento do eleitorado que vota cada vez mais à direita. Mas sem deixar de ser 15 – tanto que brigou em voz alta antes do discurso para participar da nova executiva estadual do partido, para a qual não havia sido lembrado.
- Não dá para vestir uma roupa aqui em Santa Catarina e outra em Brasília. Sou MDB com muito orgulho e continuarei na família 15, com muito entusiasmo – disse Pezenti.
Mas talvez o discurso mais enfático, quase aos gritos de indignação e em tom de exaltado desabafo, veio do deputado federal Valdir Cobalchini, escolhido ontem primeiro vice-presidente. Defendeu o direito de não ser nem de esquerda e nem de direita e um Estado, um país e um mundo cada vez mais polarizado (e, muitas vezes, fanatizado).
- Não existe só direita e esquerda. O MDB tem uma história de diálogo, são 58 anos de fundação, sempre ao lado da democracia. Tenho orgulho de ser emedebista e por todos os lugares que visitamos no Estado, vemos um MDB vibrante, motivado para as próximas eleições – disse Cobalchini.
O encerramento veio com o presidente estadual e deputado federal Carlos Chiodini, que comandou o partido no último ano com a incômoda e inédita condição de comissão provisória e que agora está à frente de um diretório efetivo. Seguiu o mesmo tom dos antecessores sobre a necessidade do MDB catarinense ser protagonista. Falou o que o microfone do palanque queria ouvir, mesmo sem crer – que o partido aumentaria o número de prefeitos nas eleições deste ano.
Mas usou seu próprio exemplo para cobrar coragem do resto da família para encarar as eleições em um cenário inóspito, talvez o mais inóspito para os emedebistas desde o fim do regime militar em que nasceram e cresceram para ser oposição, adversário e, por fim, algoz.
Pela primeira vez, Chiodini falou explicitamente e sem condicionantes que vai mudar o domicílio eleitoral de Jaraguá do Sul para Itajaí e se apresentar a um novo eleitorado como candidato a prefeito. Relembrou eleições consideradas impossíveis vencidas pelo partido, como a virada de Luiz Henrique sobre Esperidião Amin em 2002 e conclamou os emedebistas a não terem medo de enfrentar eleições difíceis como ele também não terá.
- Vamos focar em 2024. Vamos aceitar desafios, como os meus companheiros e amigos e Itajaí estão até me impondo Eu não precisava estar indo, mas eu vou porque entendo que o MDB precisa enfrentar esses desafios – disse Chiodini, bastante aplaudido.
Ao final do discurso, Chiodini exaltou as diferenças que marcam o MDB internamente e prometeu um congresso estadual do partido para discutir posição e alinhamento, para encontrar o rumo, para não ser coadjuvante.
Quem gosta de política, vai querer ouvir mais essa briga de família. No comando do partido por mais dois anos, Chiodini terá condições de mostrar que pode sentar naquela ponta da mesa vazia desde 2015.
Foto – Ao final da convenção, a foto da família emedebista liderada por Chiodini e Cobalchini. Foto: Divulgação.