Por Vanessa Bencz
Minha missão era palestrar para uma turma do terceiro ano do ensino médio em Joinville. Eram adolescentes com cara de adultos. Os rapazes exibiam barba na cara. Algumas moças tinham o septo nasal atravessado por uma jóia. A maioria desses estudantes carregava uma carteira de trabalho recheada de registros, mas… faltava-lhes um documento importante. Eles sabiam disso. E não estavam nem aí.
Entrei no auditório para palestrar sobre temas doloridos: bullying, automutilação e depressão. Falar sobre violência escolar e (falta de) saúde mental sempre proporciona lágrimas aos olhos dos estudantes. Constatei resistência da parte deles no começo da minha fala mas, alguns minutos depois, a turma se comoveu com esses temas e me aceitou.
A propósito: conseguir comover uma turma de adolescentes do ensino médio é um feito e tanto. Me sinto realmente orgulhosa quando chego a este resultado.
Porém, o tema que eu abordei logo depois quebrou o clima como quem quebra um passarinho de vidro – foi impossível consertar. O tema era “política”.
Comentei sobre a proximidade das eleições municipais. Falei que eles já estavam na idade para ter título de eleitor (apesar do voto ser facultativo antes dos 18 anos) e que a participação deles nas eleições era importantíssima. Expliquei rapidamente sobre a necessidade de conhecer os candidatos a vereador e a prefeito e suas respectivas propostas.
Eles me olharam como se eu subitamente estivesse falando em uma língua estrangeira e ininteligível. Alguns, ainda com lágrimas trilhando pelo rosto, me fitaram ofendidos.
Perguntei quem ali já tinha título de eleitor. Eles se entreolharam com deboche e balançaram a cabeça com desprezo, como se eu tivesse perguntado quem ali tem uma doença venérea e altamente contagiosa.
Insegura com essa reação inesperada, projetei no telão do auditório um QR CODE que os levaria direto para o site no tribunal eleitoral, para que eles tivessem a oportunidade de fazer seu primeiro título de eleitor ali mesmo, online. Esclareci que a possibilidade do voto facultativo para jovens a partir de 16 anos está prevista na Constituição Federal do Brasil, no artigo 14, § 1º. Essa permissão foi estabelecida pela Emenda Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985.
- Olhem que incrível – destaquei. – Essa permissão foi criada ainda na ditadura militar!
Nenhum deles levantou o aparelho celular para escanear o código.
- Vamos, gente. Façam o título eleitoral. Vocês precisam votar! – falei, claramente me humilhando.
Fui ignorada. Todo o trabalho que fiz de sensibilização nos últimos 45 minutos desmoronou.
Saí da escola incrédula. Entrei no meu carro e dei a partida para ir embora, tentando juntar na minha mente as peças de um quebra-cabeça que não faz sentido. “Será que essa geração realmente está fadada à falta de envolvimento cívico e desprovida de qualquer interesse em assuntos que não sejam o tiktok?”, pensei, maldosamente.
Enquanto avançava pela rua, apelei para a empatia e tentei reviver tal situação pelos olhos deles.
Lembrei-me de quando fiz meu título eleitoral. Eu já tinha 19 anos e estava com essa obrigação atrasada. Rumei ao cartório eleitoral com muita má vontade, mais preocupada com meu piercing na língua e com o vestibular que aconteceria pouco tempo depois. O cartório expediu o título com meu nome redigido errado – minha família me chamou de “Vanassa” por muito tempo – e isso atrasou ainda mais minha obrigação com a urna eletrônica.
Ter relembrado isso me ajudou a entender parte da inércia deles, mas eu não me senti satisfeita. Após a palestra, resolvi fazer uma enquete no meu instagram para elucidar a falta de motivação geral no engajamento das eleições.
A maioria das pessoas do meu círculo – cerca de 87% dos meus contatos – me relatou que não sentiu pressa em participar das eleições na juventude. Muitos dos meus amigos me contaram que não encontravam entusiasmo em votar em homens idosos, brancos e vestidos com roupa social manchada de suor na região da axila. “A quem esses homens privilegiados representam?”, foi a pergunta que mais ouvi.
O restante dos 13% me contou que era desde cedo incentivado pela família a se empolgar com atividades políticas. Duas ou três pessoas me relataram que quiseram votar antes dos 18 porque se identificaram intensamente com algum candidato em particular – e citaram políticos abertamente defensores de direitos LGBTQIA+.
Será que a desmotivação do público jovem em votar tem a ver com falta de representatividade por parte dos candidatos? Ou o problema é mais educacional – é preciso que a escola e a família abordem mais os assuntos políticos com suas crianças e adolescentes? Será que é possível provar para esses jovens que existem agentes políticos interessados em diminuir o índice de violência escolar – algo que está tão presente em suas rotinas?
Enquanto não existem dados e pesquisas a respeito, me restam pontos de interrogação. De qualquer forma, a minha missão é encontrar uma forma inédita e emocionante de motivá-los a fazer política e tentar construir isso juntos aos públicos a que tenho acesso.
Vanessa Bencz é jornalista.