Eduardo de Mello e Souza escreve artigo em que critica a interferência do Supremo Tribunal Federal e do Presidente Lula em questões legislativas e econômicas, apontando a falta de atuação da OAB na defesa da Constituição e das leis no Brasil.
Decididamente o Brasil não é para amadores. Tom Jobim cunhou essa frase para definir um país absurdamente volátil em sua política, onde tudo o que era sólido, desmanchava no ar. Era verdade há cinquenta anos e ainda mais verdadeiro hoje.
Aliás, em menos de dez dias tivemos provas de que a frase é eterna. Em entrevista a um grande grupo de comunicação, o Presidente do STF, Luís Roberto Barroso comentou, com indisfarçável cinismo, que a Suprema Corte teria “apenas julgado um recurso”, ao estabelecer o porte de determinada quantidade de
maconha como mero delito administrativo, passível de uma prosaica multa. Não, Ministro, não foi “apenas mais um recurso”. Foi um processo anabolizado como Repercussão Geral (eficácia de lei), e que pariu o Tema 506. Isto é, houve um procedimento interno complexo e excepcional, onde, com premeditação, votou-se acerca da compatibilidade e pertinência temática daquele recurso (leading case),
para só depois afetar o Tema ao Plenário (e não a uma das Turmas) e, aí sim, julgar com validade para todos. Na última segunda-feira, o toque final do cinismo: o STF comunicou o Congresso Nacional de sua decisão irrecorrível.
Convenhamos, isso não acontece todos os dias. Mas é mais frequente do que se pensa. Para a perplexidade geral, o Supremo legislou… de novo! E todo esse esforço ocorreu, como é notório, quando o Congresso Nacional debate projeto de lei tratando rigorosamente do mesmo assunto, dentro de sua competência constitucional.
Isso nem é mais novidade. Na última década, o STF se especializou em legislar sobre Direito Penal, Econômico, Trabalhista, Processual, dentre outros, sempre cuidando para que suas decisões fossem obrigatórias a todos, mesmo ciente de que, em algumas delas, tenha mudado de ideia meses depois. O Brasil não é para amadores.
Não se passaram 48h e o Presidente Lula veio, no mesmíssimo canal, criticar o fato de que, sendo ele o chefe do Poder Executivo, deveria ter autonomia para nomear e exonerar a direção do Banco Central, a fim de enquadrar o guardião da moeda dentro de sua errática política econômica. É impossível que a autoridade máxima de um país desconheça as leis e, muito pior, ignore solenemente os rudimentos de economia básica.
A autonomia do BACEN, como se sabe, foi um marco civilizatório da economia brasileira. Após anos de manipulação, pelo Executivo, das taxas de juros, da expansão monetária, e até mesmo da impressão da moeda (tendo seu auge no governo Dilma), o Congresso Nacional tomou a iniciativa que lhe cabe, e trouxe o Brasil para o patamar de modernidade das maiores economias do mundo.
Mas como o uso do cachimbo entorta a boca, nosso Presidente, acostumado a um pré-histórico aparelhamento estatal, faz como um dinossauro que esqueceu de virar fóssil: enxerga inimigos nos espaços que não pode controlar. E usa a comunicação para desmoralizar a instituição que, talvez ele não saiba, é o elemento de credibilidade internacional da economia. Dessa forma, amadores que somos neste circo de profissionais, assistimos a uma série infinita de tentativas de avançar sobre as competências legislativas. Cercado, o Congresso Nacional precisa da ajuda das instituições. Entra em cena a OAB.
Ou melhor, não entra em cena a OAB. Que a tudo assiste como espectador e não como atriz principal, esquecendo que sua atuação já foi fator determinante para o fim da ditadura, para emplacar eleições diretas e a própria Constituição.
Um tempo em que o relator da Constituinte era ex-presidente da Ordem. Instituição que tem em seus quadros mentes brilhantes em suas áreas, mas que não são solicitados para um mero parecer, apto a embasar não somente um posicionamento público, mas sim ações concretas pela sociedade.
Alguns entendem que a OAB não pode se posicionar diante desse quadro, como se
política fosse pecado. Pensamento contraditório com a própria previsão constitucional da Ordem e sua legitimidade inédita para a proteção das leis. Hoje estamos reduzidos a um mero Conselho Regional de Advocacia, que fiscaliza os advogados e fica de costas para a sociedade que deveria proteger. Tom Jobim continua mais atual do que nunca.
Eduardo de Mello e Souza é advogado, vice-presidente da OAB/SC e Professor da UFSC.