Por Bruno Souza
Era uma vez, em uma era longínqua, um reino acossado pela discórdia e pela divisão. No trono, um novo monarca erguia-se, prometendo unir as terras e seus habitantes. No entanto, sua coroação fez pouco para acalmar os ânimos inflamados; ao contrário, as fissuras entre os plebeus apenas se aprofundaram. Uma metade da plebe prostrava-se diante do novo soberano, enquanto a outra se fragmentava entre os que simplesmente rejeitavam o novo regente e os que lamentavam a perda do antigo monarca, cujo reinado fora marcado por controvérsias.
Mas, uma classe continuava unida: os nobres. Indiferente ao vaivém dos reis e às suas ostentosas celebrações de ascensão e queda, os nobres mantinham-se coesos em seu poder. Reis vinham e iam, ora sob aplausos de um fragmento do povo, ora sob as vivas de outro; porém, desconhecido para muitos, a influência dos reis minguava, enquanto o verdadeiro poder consolidava-se na sombra dos nobres unidos.
Esta não era uma nobreza comum, como as de outros reinos. Aqui, os nobres detinham o poder de julgar e decretar os destinos de todos, desde o mais livre dos cavaleiros até o mais humilde dos servos. E neste reino de contos atrapalhados, a baixa nobreza ascendia por meio de provas de erudição, enquanto os nobres supremos, embebidos em pompa e fama, eram elevados pela mão do próprio rei. Contudo, mesmo o monarca se via compelido a nomear aqueles a quem a nobreza favorecia, sob pena de enfrentar a ira e a retaliação dos supremos. No fim, as indicações tornaram-se uma formalidade sem sentido.
Leis existiam, sim, e todos fingiam acreditar que era o rei, juntamente com o conselho eleito pelo povo, que as decretava. Mas, ao cair da noite, eram os nobres que as esculpiam na pedra. Um único nobre supremo, com o poder de sua pena mágica, podia invalidar qualquer lei que lhe desagradasse ou que pudesse prejudicar um aliado.
A nobreza deste conto fantástico partilhava um traço com seus pares de outras terras: um apetite voraz por luxo. Assim, cada vez menos se ocupavam em preservar os antigos costumes e as leis, e se ocupavam mais com a busca insaciável por ouro. Para saciar tal fome, extorquiam o povo de duas maneiras: inventando privilégios e negociando encantamentos.
Privilégios eram forjados em concílios secretos e financiados pelo suor e pelas moedas dos plebeus. Sem qualquer controle sobre a nobreza, os privilégios multiplicavam-se, e o povo era ludibriado a crer que os caprichos dos nobres eram o preço a pagar por sua suposta sábia governança. Convenceram quase todos que se servir do povo era o mesmo que servir ao povo.
Os encantamentos – assim chamados porque poucos conseguiam explicar com o uso da razão – por sua vez, eram negociados com aqueles em apuros. Um poderoso feitiço poderia, com um gesto, transformar uma dívida de 10 bilhões de moedas, de uma grande taverna de carnes, em mero pó. Tais magias, contudo, custavam caro, e os nobres estavam sempre prontos a oferecer seus serviços por um preço justo.
Curioso era que, apesar do evidente domínio da nobreza, os plebeus estavam demasiado distraídos com suas próprias rixas para se oporem. A oeste viviam os seguidores de Karl, um guru das ideias desgastadas. Já os habitantes das terras orientais, eram zombados como bovinus pelos seus adversários. Ambos os povos estavam mais empenhados em discórdias do que em unir-se contra a verdadeira ameaça de seu tempo. Os nobres, astutos e observadores, aproveitavam-se dessa divisão, sabendo que, independentemente de suas ações, estariam sempre a salvo enquanto o povo estivesse ocupado demais lançando insultos e vilipendiando seus oponentes.
Recentemente, os nobres supremos foram vistos a desfazer os feitos da justa e ardente operação de limpeza das corrupções que tanto assolavam as terras e os cofres do reino. Tal operação, nomeada como “Lava de Fogo” pelos populares, havia trazido esperança aos corações dos camponeses e artesãos, que viam nela um fim para a exploração e a ganância dos barões corruptos.
Porém, quando o grande relógio do castelo marcava o fim do dia, a nobreza declarou tais esforços como parciais e tendenciosos, libertando os acusados de seus deveres para com a coroa e suas punições. Tal declaração desmotivou todo o reino, parecia que a situação estava pior que antes. Era muito estranho: combater a corrupção teve o efeito reverso! Agora, com o apoio da nobreza, os maiores gatunos e larápios do reinos se sentiam invulneráveis.
Mas, nem mesmo tão malignos atos da nobreza uniram a plebe. Dividida que estava, não conseguia concordar em nada. Dividida que estava, permitia a continua exploração dos nobres. Entretanto, alguns entre o povo, esmagado sob o peso dos tributos e das demandas dos senhores, começaram a murmurar de descontentamento, se perguntando se seus conterrâneos algum dia as unirão contra a exploração ou continuarão explorados pela sua divisão.
Entretanto, essa parte do conto ainda não foi escrita. Veremos…
Bruno Souza (Novo), é ex-deputado estadual e suplente de deputado federal.