Você conhece pessoalmente ao menos uma mulher que foi vítima de violência doméstica? Por Maria Cláudia Goulart

Maria Cláudia escreve artigo sobre violência doméstica em nossa sociedade

Maria Cláudia Goulart escreve artigo sobre a violência doméstica, o apoio às vítimas e o enorme número de mulheres que sofreram este tipo de violação em nossa sociedade.

Se você respondeu que sim, lamento informar que infelizmente você faz parte da metade da população brasileira que conhecem uma mulher que sofreu agressões físicas ou verbais do (atual/ex). Entre as mulheres, são 60% as que conhecem ao menos uma vítima e 36% declararam já terem elas próprias sofrido alguma forma de violência doméstica.

E quantos homens você conhece que admitiram ter cometido algum tipo de violência doméstica? Nenhum né? A maioria absoluta dos homens (94%) afirma não ter praticado nenhum tipo de violência contra sua esposa, companheira ou namorada (atual ou ex).

Entre aqueles 50% que responderam que conhecem pessoalmente uma mulher que sofreu agressão, a principal reação (58%) foi a de falar com a vítima. Conversar com o agressor, foi atitude de apenas 17% das pessoas. Denunciar à polícia (53%) e/ou terminar a relação (48%) foram os principais conselhos para as vítimas. Recomendou que reconsiderasse e fizesse as pazes com o marido, companheiro ou namorado foi sugerido por apenas 6% das pessoas.

Pesquisa Redes de apoio e saídas institucionais para mulheres em situação de violência doméstica no Brasil realizado pelo Instituto Patrícia Galvão.

A pesquisa aponta ainda que uma ampla maioria dos brasileiros considera que as pessoas devem dar apoio/denunciar ao perceberem que uma mulher está sofrendo violência.

Apoio da família e de amigos é considerado por 58% como o principal fator para que essas mulheres saiam da relação violenta. Parcela significativa menciona ainda o apoio do Estado, seja da polícia ou justiça para se protegerem do agressor (53%), ou de assistência social e psicológica (48%). Além disso, 66% consideram a Delegacia da Mulher como primeiro recurso que a vítima de violência doméstica deve buscar.

Parece óbvio não? Mas não foi sempre assim… em 2014, uma pesquisa do Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que a imensa maioria dos brasileiros acreditava que esse tipo de conflito devesse ser resolvido reservadamente, no lar.

Era comum que essas agressões fossem vistas como um drama de ordem privada, e não como um problema social. 63% concordaram, total ou parcialmente, que “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família”. Também, 89% dos entrevistados tenderam a concordar que “a roupa suja deve ser lavada em casa”; e 82% que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Pesquisa Tolerância social à violência contra as mulheres realizada pelo IPEA

E o que isso quer dizer? Avançamos quando aumentamos o numero de registros de denúncias. E não, não estamos aumentando a violência! Estamos ampliando os registros, dando visibilidade a pauta. Encarando os dados e propondo intervenções e políticas públicas de enfrentamento e combate à violência contra mulher.

A violência doméstica sempre existiu, o que está mudando é que ela está sendo encarada e tratada como um problema social que requer intervenção do poder público.

Precisamos melhorar o atendimento dos serviços públicos para as mulheres que sofrem violência doméstica garantindo-lhes proteção, além de capacitar profissionais de saúde e assistência social para reconhecer e orientar as vítimas, treinar funcionários para melhorar o atendimento dos canais de denúncia e das delegacias l e agilizar o andamento das investigações, evitando assim que essas mulheres sejam agredidas repetidamente.

Precisamos ainda promover campanhas para estimular as denúncias e para sensibilizar homens e mulheres contra a violência doméstica e debates em escolas para educar meninos e meninas para relações de igualdade e respeito.

Em relação aos agressores, maioria considera que é preciso aumentar as penas para o crime de violência doméstica e obrigar os homens denunciados a frequentar programas de reeducação para que não voltem a praticar esse tipo de violência.

85% dos brasileiros acreditam que os homens que praticam violência doméstica sabem que isso é um crime, mas acreditam que não serão punidos.

Quando chegar o momento em que o percentual de maioria absoluta compreender que violência doméstica é crime e deve ser denunciado e combatido e que não deve haver tolerância, que não seja tão comum conhecer uma mulher que já foi vítima de violência , poderemos passar a régua e começar a acreditar que o aumento do número de registros e denúncias é algo ruim.

Por enquanto, há que se comemorar e celebrar quando uma mulher procura ajuda e registra uma denúncia! Quanto mais mulheres assim o fizerem, mais protegidas estaremos! Mais políticas de combate a violência serão criadas e fortalecidas! Seguimos lutando e botando luz onde está escuro!


Maria Cláudia Goulart é psicóloga-especialista em Violência Doméstica, ex-Secretária de Assistência Social de Florianópolis (2019-2022) e atual coordenadora de Políticas Públicas e Direitos Humanos da Prefeitura de Florianópolis.

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