Biden e Trump: a política como espetáculo. Por Karine Liz

A pesquisadora Karine Liz em que usa o debate entre Biden e Trump, presidente e ex-presidente dos Estados Unidos, para tratar do fenômeno da espetacularização da política, quando a discussão dos problemas e suas possíveis soluções é substituída por cortes para as redes sociais e frases de lacração

A evolução positiva da humanidade é um processo árduo e exigente.

A concepção de Estado, por exemplo, demandou que as pessoas compreendessem uma nova forma da atuação do poder no mundo – uma forma na qual a ação humana, e não a divina, seria a protagonista.

Não obstante, desde épocas imemoriais a disputa pelo poder é, de regra, violenta.

A política surge então como instrumento que buscará assegurar um espaço no qual a força da violência das ações é substituída pela força legítima do argumento raciocinado.

Isso seria menos complexo se os seres humanos utilizassem a razão mais que a emoção em suas escolhas políticas.

Ocorre que as emoções movem grandemente a política, pois elas nos arrastam para onde a razão hesitaria ir.

O exemplo de Martin Luther King Jr.

Um dos maiores exemplos disso, é a frase Martin Luther King Jr., em seu discurso na Marcha pelos Direitos Civis, que resultou na lei de direito ao voto ao negro nos Estados Unidos.

Ele não disse que tinha razão em clamar por tais direitos.

Ele preferiu dizer: “I have a dream…” (Eu tenho um sonho…).

Provavelmente a arte da política, em sua melhor essência, seja o equilíbrio entre razão e emoção.

Mas atualidade vem trazendo outros elementos à política.

Um deles é o que especialistas chamam de espetacularização da política – ou seja, a política não é mais o campo de embate entre argumentos lógicos e apelos emocionais, ela passa ser uma arena de espetáculo para cenários “instagramáveis” – leia-se irreais -, e frases de lacração.

A discussão dos problemas e suas possíveis soluções é deixada de lado para se falar o que as pessoas em geral querem ouvir movidas por sentimentos outros que não os que possam estar ligados a questões de fundo político.

Biden e Trump exemplificam espetacularização

Um bom exemplo disso foi o debate histórico ocorrido quinta-feira desta semana, entre os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos entre Biden e Trump.

A dificuldade crescente da população nos dias de hoje em prestar realmente atenção a algo e a conteúdos que exijam algum raciocínio mais elaborado, tem levado as campanhas eleitorais a reduzirem os discursos políticos a cortes de falas de tempo cada vez menores.

Essa fragmentação dos discursos faz perder o sentido do todo, embaralha o entendimento da linha de condução e de visão de futuro que as diversas concepções políticas podem oferecer.

Biden e Trump demonstraram ontem como está em progresso o empobrecimento do discurso político – essa fala tão essencial para que as pessoas possam entender que rumo está sendo dado aos seus destinos.

A política precisa ser resgatada para a sua grande importância – a de instrumento que pode, de maneira menos violenta, assegurar um presente e um futuro melhor às pessoas.

Fora disso é o arbítrio, a intolerância e o uso sangrento da força bruta. Essa sim, não tem escuta, ou melhor, tem uma escuta única: o vórtice egocêntrico e maléfico de seus líderes e apaniguados.

A desqualificação da boa política interessa à tirania, em última instância. Que possamos reaprender, se necessário, a deixa-la no passado só assim caminharemos rumo a algum futuro minimamente bom.


Karine Liz é integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Karine Liz é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
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