Já pararam para pensar por que as pessoas continuam votando em “outsiders”? Aquelas figuras que, muitas vezes, não têm experiência política relevante, carregam falhas gritantes, mas ainda assim recebem apoio popular. Parece que o cansaço com as alternativas tradicionais chega a um ponto em que, mesmo conhecendo os riscos, os eleitores preferem tentar algo novo, diferente. Não estamos mais no campo do debate ideológico aqui, isso é um fato. E ignorar os fatos é o caminho mais rápido para não evoluir.
Isso não é uma crítica à esquerda e direita. Vemos isso nas eleições municipais no Brasil, que terminam neste domingo, e também nas presidenciais americanas que estão chegando. Aqui estamos cercados por um leque de candidatos tradicionais, mas o eleitorado segue experimentando figuras que se posicionam como “fora do sistema”. Nos EUA, a coisa é ainda mais gritante. Mesmo com a ficha extensa de Donald Trump — assédio, evasão fiscal, entre outros escândalos —, aproximadamente metade da população ainda recusa o voto em Kamala Harris. Por quê?
Essa é a pergunta que merece atenção. Se um candidato está envolvido em tantos escândalos, por que o outro não simplesmente se consagra vencedor? Seria óbvio, não? Mas a política não é óbvia.
O que estamos vendo, tanto no Brasil quanto nos EUA, é um fenômeno de saturação com as opções de sempre. O que parece estar em jogo não é apenas o currículo, a moral ou as habilidades do candidato. O que está pesando é o desejo por algo, qualquer coisa, que se apresente como diferente. O eleitor não quer saber se o “outsider” tem falhas gritantes, ele quer uma ruptura com o que está aí. E isso, meus caros, é algo que o marketing político precisa entender melhor.
O eleitor hoje valoriza mais os atributos de personalidade, construídos nesse novo modelo de campanha permanente. Não é mais sobre a proposta ou o partido. É sobre como o candidato se apresenta, como ele dialoga diretamente com o público e, sobretudo, como ele é percebido fora dos esquemas tradicionais. Essa construção contínua de imagem e carisma se sobrepõe a qualquer debate mais profundo sobre projetos.
Se olharmos para as recentes campanhas eleitorais, tanto aqui quanto lá fora, percebemos um padrão de comportamento: as falhas dos “outsiders” não são desconhecidas, são lateralizadas. E essa lateralização não vem de uma cegueira coletiva. Ela vem da insatisfação generalizada com o sistema político atual. Quando o sistema deixa de entregar o que promete, o eleitor começa a buscar alternativas, por mais arriscadas que sejam.
Veja o caso de Trump, que mesmo com todos os escândalos, segue competitivo. Nos EUA, assim como no Brasil, o eleitor médio está exausto dos políticos. E é nessa trinca que os “outsiders” se posicionam. Trump, assim como tantos outros, se coloca como alguém que não joga o jogo tradicional da política. E quando o jogo tradicional deixa de funcionar para o eleitor, ele prefere arriscar com quem promete quebrar as regras.
O brasileiro não espera absolutamente nada dos políticos
Aqui no Brasil, essa mesma dinâmica está em jogo. Desde as eleições municipais até a ascensão de figuras como Jair Bolsonaro ou Pablo Marçal, o que se vê é um profundo descontentamento com o que foi oferecido até agora. Não importa se o candidato carrega consigo um histórico duvidoso. O que importa, para muitos, é que ele não é “mais do mesmo”.
Mais uma vez, no Brasil, enquanto buscamos derrotados nos campos progressista e conservador, a antipolítica venceu, mesmo que travestida com looks modernos. Os “outsiders” são, na verdade, reflexos desse esgotamento. Mesmo que se apresentem como novidades, muitas vezes vestindo uma roupagem moderna, no fundo são a continuidade do desejo do eleitor por uma ruptura com o sistema tradicional.
Isso não quer dizer que os “outsiders” sejam a solução. Pelo contrário, como vimos em vários casos, muitos deles não cumprem o que prometem. Mas o ponto não é esse. O ponto é que, em tempos de insatisfação, a promessa de romper com o que está aí se torna irresistível.
Se a esquerda brasileira erra ao se distanciar do diálogo com esses eleitores insatisfeitos, a direita erra ao simplificar o discurso para atacar os “inimigos” de sempre. E é nesse espaço vazio que os “outsiders” conseguem se destacar. As pessoas estão cansadas de mais do mesmo. E quando a insatisfação é tão grande, as falhas do “outsider” se tornam secundárias. Falta combinar com o eleitor.
A sobrevivência da velha política
Alguns podem alegar que a velha política sobrevive e não sai de moda. E, de certa forma, isso é verdade, basta ver os resultados. Mas a que custo? Para manter sua relevância, a política tradicional tem se reinventado, muitas vezes adotando estratégias de marketing mais agressivas e um discurso que imita o dos “outsiders”. Mas será que isso é suficiente para manter o eleitor engajado?
Em uma das campanhas em que participei, o candidato — que era um ótimo quadro — se esforçava para mostrar o quanto era diferente do grupo que estava no poder. No entanto, ao mesmo tempo em que tentava se distanciar da política tradicional, publicava fotos em bingos de igreja e eventos tipicamente políticos. Ele queria acenar para aquela massa de eleitores que condena a política como a conhecemos, mas também achava indispensável que Dona Maria, de 84 anos, visse que ele esteve no bingo da paróquia que ela frequenta aos domingos.
Se olharmos para as campanhas de figuras como Trump ou Bolsonaro (ou até Marçal, em menor escala), percebemos que elas conseguem vender a ideia de que são diferentes. Mesmo que suas práticas mostrem o contrário, a narrativa de ruptura é poderosa o suficiente para cativar o eleitor. Nesse caso não basta afirmar que são diferentes, essa construção acontece diáriamente em uma cadeia de fatos e posicionamentos.
O que os candidatos tradicionais parecem não entender — ou talvez não queiram — é que, para vencer essa nova era de descontentamento, é preciso mais do que boas propostas. É necessário conquistar emocionalmente o eleitor, mostrar que você entende sua insatisfação e que, de fato, pode oferecer algo diferente. E o marketing político precisa acompanhar essa transformação, parando de enlatar candidatos em receitas que já funcionaram, mas que também estão vencidas.
Vamos parar de ignorar os fatos?
Então, o que nos resta é olhar para os fatos. E os fatos são claros: não importa se você gosta ou não dos “outsiders”, eles estão moldando o cenário político atual. E, se o sistema político — seja à direita, à esquerda ou ao centro — continuar ignorando esse fenômeno, a insatisfação só vai crescer. Marçal não é o maior influenciador que já invadiu o mundo político, é o maior até agora. Novos virão com impactos novamente incalculáveis.
É hora de parar de simplificar a questão como uma escolha entre o bom e o ruim, o certo e o errado. As pessoas votam em “outsiders” porque querem algo novo, querem uma ruptura. Ignorar isso é ignorar a realidade do mundo em que vivemos.
E não, isso não é uma defesa dos “outsiders”. O que eu acho pessoalmente não muda o que está acontecendo nas urnas, nas redes e nas ruas. O que importa aqui são os fatos. E, para entender o cenário político de hoje, precisamos parar de ignorá-los.