Por Júlia Wildner Cunha
A entrevista da Ministra Marina Silva à CNN sobre o que está acontecendo no Rio Grande do
Sul me deixou pensativa.
“O alerta foi dado há 3 décadas, 4 décadas. Nós tínhamos que ter começado, governos,
empresas, todos, trabalhando a partir da ECO 92, quando se fez o acordo internacional de
que era preciso fazer o enfrentamento da mudança climática, usando o princípio da
precaução. Muitos diziam que aquilo era ecoterrorismo, que aquilo não ia acontecer, e
infelizmente está acontecendo”. Marina Silva.
E a dúvida que não sai da minha cabeça é: os governos brasileiros previnem desastres?
Se a resposta para essa minha pergunta for sim, eu faço a réplica: Como?
Porque acompanhando os desastres que viram notícia nacional a cada semestre ou ano,
fico pensando que os governantes preferem atuar de forma emergencial quando a
catástrofe já está acontecendo e o fenômeno acaba sendo incontrolável. Mas isso custa
uma boa fatia orçamentária (seja do município, estado ou da União), e o principal: muitas
vidas.
Analisando notícias, artigos e boas práticas de outros países (porque o nosso ainda não
chegou num patamar de ter boas histórias para contar quando falamos de enfrentamento
de crises climáticas), entendi que alguns fatores se repetem nas boas políticas de
prevenção de desastres – sejam eles causados por enchentes ou qualquer outro fenômeno.
São eles: uma abordagem multifacetada que combina avanços tecnológicos,
desenvolvimento de infraestrutura, engajamento comunitário e reformas de política
pública. Também entendi que é um trabalho árduo, de longo prazo e passos lentos. E que
já estamos atrasados nessa corrida.
Foi então que organizei 10 dicas que todo governo deveria seguir para a prevenção de
desastres naturais:
- Desenvolver e implementar Planos Abrangentes de Gestão de Desastres: o governo
deve desenvolver e implementar planos que incluam estratégias de prevenção,
mitigação, preparação, resposta e recuperação. Esses planos precisam ser
adaptados às necessidades e riscos específicos de cada região e envolver a
participação de todas as partes interessadas, incluindo comunidades locais,
socorristas, agências e diferentes órgãos governamentais. Começar a debater o
assunto com um grupo de trabalho antes de uma tragédia acontecer é sempre mais
sensato e produtivo. - Investir em sistemas de alerta antecipado: o governo deve investir em sistemas de
alerta antecipado que possam detectar desastres naturais antes que ocorram,
permitindo evacuações e respostas de emergência oportunas. Isso significa
desenvolver e implementar tecnologias avançadas ou contratar alguma inteligência
artificial (IA) que já é capaz de integrar dados em tempo real de várias fontes, como
estações meteorológicas, radar e imagens de satélite, como o Google Earth Engine
(GEE). - Melhorar a resistência da infraestrutura: desenhar e construir infraestrutura
resistente a enchentes, como diques, barragens e sistemas de drenagem, usando
técnicas de construção avançadas e materiais, principalmente nas regiões mais
propensas. A cidade de Miami, na Flórida, implementou padrões de construção
resistente a enchentes para novos edifícios, reduzindo o risco de danos e perdas
causados por enchentes. - Promover Planejamento Sustentável de Uso do Solo: encorajar práticas de uso
sustentável do solo, projetar cidades com espaços verdes e apostar em uma
infraestrutura resistente a inundações (trazido no ponto 3). A cidade de Roterdã, na
Holanda, implementou uma estratégia que inclui infraestrutura verde e design
resistente a enchentes para reduzir os riscos e já encontrou grandes resultados. - Promover uma Agricultura Resistente a Enchentes (se aplicável): encorajar práticas
agrícolas resistentes a enchentes, como seleção de culturas resistentes e gestão de
irrigação, para reduzir o impacto de enchentes na agricultura. - Melhorar a conscientização e preparação comunitária: desenvolver sistemas de
alertas antecipados e fortalecer/empoderar iniciativas comunitárias com
treinamentos de redução de riscos de desastres e planos de ações em casos de
desastres. Saber o que fazer durante uma catástrofe é um grande ativo para sair da
imaginação e ir para a ação. O Sistema de Alerta Precoce Comunitário (CBFEWS) na
Namíbia usa mensagens e sistemas de alerta com inteligência artificial para
informar comunidades sobre riscos de enchentes e fornecer outros tipos de alertas
oportunos. - Realizar avaliações e mapeamentos regulares de risco: identificar áreas propensas a
desastres naturais e desenvolver estratégias direcionadas para mitigação e
preparação. Isso inclui identificar áreas em risco de deslizamentos, inundações e
outros perigos. A United States Geological Survey (USGS) é um caso de sucesso
nessa frente. - Melhorar a resposta e recuperação emergencial: o governo deve aprimorar as
capacidades de resposta de emergência por meio do treinamento de socorristas,
desenvolvimento de planos de resposta de emergência e investimento em
equipamentos e infraestrutura de resposta de emergência, que veremos no
próximo ponto. - Criar estratégias de Financiamento de Riscos de Desastres: desenvolver e
implementar estratégias de financiamento de riscos de desastres que garantam
financiamento adequado para esforços de resposta e recuperação de desastres é
fundamental. Isso inclui o desenvolvimento de programas de seguro de riscos de
desastres e investimento em infraestrutura de redução de riscos de desastres. E faz
com que o governo não dependa exclusivamente de apoios da União para ter
condições de enfrentar uma catástrofe. - Fomentar a Cooperação Internacional e compartilhamento de conhecimento: é
imprescindível para se manter atualizado com as últimas tecnologias, estratégias e
melhores práticas de redução de riscos de desastres. Inclui participar de iniciativas
internacionais de redução de riscos de desastres e colaborar com outros países (ou
começar com outros estados) para compartilhar conhecimento e expertise com
quem já passou por situações semelhantes e com certeza aprendeu o que fazer e o
que não fazer. A Organização das Nações Unidas para a Redução do Risco de
Desastres (UNDRR) estabeleceu uma plataforma global para redução de risco e
gestão de desastres e pode ser um bom ponto de partida.
Dito tudo isso, quero destacar o importante papel da inteligência artificial em diversos
pontos mencionados acima. A IA pode ser uma grande aliada do governo para mitigar
riscos, reduzir impactos e custos relacionados a essas catástrofes.
Precisamos, então, mudar a mentalidade de que a utilização da IA faz sentido apenas para
o setor privado. O setor público encontra na Inteligência Artificial um caminho muito mais
rápido e efetivo para escalar suas ações. E impactar um maior número de pessoas deve ser
o objetivo de qualquer política pública, certo?
Para finalizar minhas contribuições sobre o tema, cito outra vez a Ministra Marina Silva,
que sabiamente colocou: “Se não tivéssemos tido 4 anos de apagão em termos de política
climática e de política de prevenção, poderíamos estar em uma outra situação”.
Existem inúmeras formas de se trabalhar a precaução de desastres ambientais e
climáticos, as que eu trouxe foram apenas algumas delas. Mas para começar a se construir
uma política pública de enfrentamento à mudança climática, só existe um caminho: eleger
representantes que pautem isso. E estamos em ano eleitoral. Então espero que a
solidariedade que tenho visto de milhares de brasileiros para com o Rio Grande do Sul não
fique só nos posts do instagram, que se traduza nas urnas.