Precisamos debater salário de vereador sem bravatas e clichês

Dia desses, em um evento sobre cenários políticos e eleitorais em que palestrei, fui questionado sobre renovação e perfil dos eleitos nas câmaras de vereadores, especialmente a de Florianópolis. Como sempre digo, repeti que o parlamento da capital catarinense costuma ter boa taxa de renovação de nomes a cada quatro anos, mas muda pouco o perfil dos escolhidos pelo eleitor – a novidade mais relevante em 2020 foi o aumento histórico e bem-vindo da bancada feminina.

Nesse encontro, falei que há um peso desproporcional no perfil liderança comunitária, do despachante do bairro (que merece e deve estar representado), mas faltam muitas vezes mais quadros de opinião, de representação classista, vinculados a entidades da sociedade civil. Conclamei a muitos que estavam naquela sala que olhassem com mais carinho para a Câmara na hora de desenvolver um projeto político. Em Florianópolis parece que muita gente quer entrar na política por caminhos mais longos e difíceis, perdendo-se no caminho.

Ao final da palestra, um nome muito conhecido das lides eleitorais e muito bem sucedido profissionalmente me confidenciou: “meu sonho é ser vereador em Florianópolis, mas com aquele salário eu não posso concorrer agora”.

Lembrei disso diante da polêmica aprovação do aumento do salário dos vereadores de Florianópolis a partir da próxima legislatura, em 2025, em 48%. Assim, os R$ 17 mil que os atuais parlamentares recebem passarão a ser R$ 26 mil quando assumirem os eleitos em outubro de 2024. É muito, é pouco? Tudo depende de parâmetros. Para a grande maioria da população que vê seus salários achatados e corroídos pela inflação dos últimos anos, com pandemia no meio, certamente é um aumento muito grande. Para o meu amigo confidente do final da palestra, dificilmente um incentivo à disputa pelo cargo já no ano que vem.

Entre um ponto e outro, há nuances. A Constituição estabelece os limites para os salários dos vereadores levando em conta dois critérios: são percentuais do que recebem os deputados estaduais e variam de acordo com o tamanho da população da cidade. É por esses critérios que Joinville, Florianópolis e Blumenau pularam de faixa na tabela de valores possíveis de salário dos parlamentares municipais – as três cidades, assim como o próprio Estado de Santa Catarina vivem um avanço populacional acima da média brasileira.

Os constituintes entenderam (e o STF deixou assim) que a responsabilidade dos vereadores de cidades mais populosas é maior que a de pequenos municípios. E isso é reconhecido nos patamares salariais. Ao mesmo tempo, a Constituição não define o valor exato a ser pago, mas um teto. Cabe ao legislador local, diante da sociedade que representa, estipular esse valor – sempre para a legislatura seguinte, para impedir o conflito de interesses de votar o aumento do próprio salário.

Dentro dessas duas margens, há um debate pertinente a ser feito entre as câmaras municipais e os eleitores. Quanto deve custar um vereador para os cofres do município? Um valor que atenda a realidade econômica do município – uns são mais pujantes que outros. Um valor que atraia nomes qualificados e bem-sucedidos para a complexa e difícil disputa eleitoral. Um valor que não ofenda os munícipes, que tanta dificuldade tem em ver seus contracheques ganharem acréscimos substanciais.

No mundo ideal, esse debate seria amplo e aberto a discussões desarmadas. No mundo real, o que vemos são tramitações extremamente velozes e votações constrangidas, por temor da reação do eleitorado. No fim das contas, o que vemos é mais estrago às imagens dos parlamentos. De minha parte, prometo que neste espaço o tema “salário de político” não será tratado com bravatas e clichês. Mas ainda espero que possamos um dia ter um debate maduro sobre o assunto.

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